Apoio de Maradona tirou Gamboa da depressão
Tales Torraga
Bater um pênalti nas mãos de Zetti – e perder a Libertadores por uma falha sua – não seria nada diante do que Fernando Gamboa precisaria encarar depois.
Zagueiro-craque daquele Newell’s, Gamboa voltou a ter o nome falado no Brasil 25 anos depois do erro que culminou na conquista do São Paulo. Mas poucos sabem: ele é mais um personagem argentino a flertar com a tragédia e se reerguer.
Gamboa saiu do Newell’s em 1993. Defendeu depois River, Boca, Real Oviedo, voltou ao Newell’s, e jogou por Chacarita, Colo-Colo, Grasshopers e Argentinos Juniors. Pendurou as chuteiras em 2005, com o púbis detonado. Tinha 35 anos.
Foi aí que o zagueiro que esbanjava rigor e patadas ficou totalmente sem defesa.
“Tive depressão por um ano. Não foi uma depressão daquelas que te deixa de cama. Comigo não. Eu ficava de-bai-xo da cama. Se foi terrível? Parecia que iria morrer. E se conto isso é para que os jogadores se preparem. O futebol não te prepara para o dia seguinte. Nada te satisfaz, nada te preenche, eu não sabia o que fazer da minha vida depois de parar de jogar. É só pensar: como alguém que se dedica para uma coisa dos cinco aos 35 anos de idade vai parar de fazer essa coisa e ter vida fácil? Não foi nada fácil, che…”, revelou Gamboa à revista “El Gráfico”.
O roteiro que ele vivia era habitualmente cruel: a depressão profunda foi acompanhada por constantes problemas com os filhos e com a esposa. “Ela me trancava fora de casa, porque só assim eu deixava um pouco o quarto e saía daquele mundo de sofrimento, porque nem conseguia brincar com as crianças.”
Gamboa começou a terapia. Foi quando surgiu Maradona. A reverência de Gamboa a Diego é tão profunda que ele só o trata como “Armando”: ''Eu o chamo assim porque os especiais, os distintos, eu chamo de um jeito diferente de todo mundo''.
“Armando salvou minha vida, papá!”, exclamou o ex-zagueiro em entrevista deste fim de semana a qual o blog teve acesso. É claro que Maradona não salvou ninguém – foi a força de vontade de Gamboa que o tirou do buraco. Mas o exagero tipicamente argentino tem razão de ser. Maradona e Gamboa jogaram juntos no Boca em 1995 e 1996. Década depois, se reencontraram. A convite de Maradona, Gamboa passou a atuar ao seu lado nas partidas de showbol. Era 2006.
“Você sabe o que é entrar no vestiário e ser beijado e abraçado por Armando, ele virar para você e dizer: ‘Conte comigo para o que você precisar, pois te considero meu amigo’? Aqueles foram os gestos mais perfeitos que eu poderia receber. Jamais tolero que falem mal de Armando. Bielsa foi meu pai. E Armando, com certeza, meu irmão mais velho que me ajudou eu quando mais precisei.”
A ajuda de Maradona a Gamboa foi muito além do showbol. Foi por influência de Diego que o ex-zagueiro começou como técnico, na base do Boca, em 2007.
A afinidade entre El Fer e El Diez era tamanha que Gamboa chegou a ser anunciado como colaborador de Maradona nos tempos em que Diego era o técnico da seleção argentina. O vínculo precisou ser rompido porque a AFA não bancou a ideia – foi esta a versão oficial, pelo menos.
O caminho de cada um voltou a seguir rotas diferentes, mas Gamboa não esquece Maradona. Muito menos os dias terríveis que passou.
“Hoje faço questão de começar meu trabalho mais cedo e beijar cada um dos meus jogadores. Pergunto como estão, o que fazem, a minha relação não é de técnico para jogador. É de ser humano para ser humano. E te digo, loco: não tem dinheiro que compre um atleta seu chegar mais cedo ao treino só para conversar contigo e se abrir em questões que eu, com minha idade, já passei e posso ajudar.”
Gamboa está com 46 anos e dirige o Gimnasia de Jujuy, da Segunda Divisão. Mas a elite, a Libertadores e o futebol ficam em último plano quando a amizade faz alguém ter forças para começar de novo. Faz alguém volver a empezar.
(Este é dos clipes mais lindos da Argentina. Produzido pela volta de Maradona ao Boca e para incentivar El Diez a largar a cocaína. As cenas de Diego são tocantes.)