Opinião: Pity ‘Martírio’ é o novo Riquelme
Tales Torraga
A semana anda mais tensa em Buenos Aires. A final River Plate x Boca Juniors – neste sábado, às 18h (de Brasília) – concentra as conversas nas escolas, nos escritórios e até nos coletivos que viajam sempre em silêncio. Todo muy pesado.
E o apelido que ronda os papos sobre a superfinal da Libertadores dá uma dimensão do que vem por aí. Carrasco do Boca, o meia Pity Martínez, do River, virou o ''Pity Martírio''. Os argentinos amam apelidos, e este se acoplou à paisagem portenha imediatamente. Saiu até no diário ''Olé''. Listo.
A verdade é que Pity cumpre, nesta decisão, o papel que cumpria Riquelme nos superclássicos dos anos 2000. Román se concentrava de tal maneira nessas partidas que a sensação que a torcida do Boca tinha era sempre de triunfo. Riquelme foi realmente um monstro atuando ante o gigante de Núñez: em 20 confrontos, foram nove vitórias, sete empates e quatro derrotas. Anotou quatro gols. O camisa 10 do River fará neste sábado o seu duelo oficial de número 14 contra o Boca – são até aqui quatro vitórias, quatro derrotas e cinco empates. E com três gols marcados. Román e Pity serviam os gols; não necessariamente os faziam.
Não é pecado algum colocar Pity e Román, os dois camisas 10, perfilados. Quem acompanha a história do River x Boca sabe que Pity teve todos os motivos para entrar desta maneira na Bombonera na primeira decisão: olhando para a hostil torcida do Boca com um leve sorriso que fez lembrar o Boneco Chucky.
O produtivo histórico de Martínez ante o Boca vem de longe: desde 2015, quando gerou o pênalti cometido por Marín e convertido por Carlos Sánchez para o 1 a 0 que significou a classificação do River e a eliminação do Boca naquela Libertadores. A freguesia continuou. Em 2017, Pity deixou louco o lateral-direito Peruzzi e comandou a vitória por 3 a 1 na Bombonera – marcando, inclusive, um golaço de voleio inmejorable. Categoria pura.
Na decisão da Supercopa Argentina, em março deste 2018, ganhou amplamente seu duelo contra Barríos e abriu o marcador com um gol de pênalti. Pelo Campeonato Argentino, em setembro, voltou a marcar um golaço de voleio na Bombonera e voltou a enlouquecer o seu marcador, então o lateral Jara. Vitória vermelha e branca por 2 a 0.
Na primeira decisão desta Libertadores, Pity ofereceu as duas assistências – para o gol de Pratto, o primeiro, e a cobrança de falta que gerou o gol contra de Izquierdoz. O ''Olé'' definiu bem: ''Su currículum en clásicos justifica que hoy sea el jugador que más atención demanda en el rival de toda la vida''.
Martínez está com 25 anos e já definiu a sua transferência em 2019 para o Atlanta United, para ser comandado por…Guillermo Barros Schelotto, hoje técnico do Boca. A sua saída foi acertada por 15 milhões de euros. E Pity custou ''apenas'' 40 milhões de pesos quando foi contratado junto ao Huracán em 2015.
Pity Martírio está a um único jogo de conseguir o grande objetivo de sua vida: ser reconhecido como um jogador da estirpe de Beto Alonso, Ariel Ortega, Marcelo Gallardo, Andrés D'Alessandro e companhia: ¡un 10 en serio! Mas nenhum deles, nem o citado Riquelme, sabe o que é dar a volta olímpica de uma Libertadores superando o eterno rival.
Em caso de título, isso será suficiente para colocar Martínez em um espaço muy especial. Não haverá santo xeneize que convença qualquer torcedor do River que Pity não é maior que Román. Por mais Libertadores (quatro contra hipotéticas duas) que Riquelme tenha conquistado e por mais participações que tenha somado na seleção. Román, por exemplo, foi titular da Copa de 2006 e comandante da medalha de ouro em Pequim-2008. Pity está começando agora a sua trajetória vestindo azul e branco. Mas um título do River sobre o Boca certamente anestesiaria esta comparação.
Alguém se lembra dos argentinos dizendo em 2014 no Brasil que o título sobre a Alemanha no Maracanã valeria por três (assim o eventual tri argento superaria o penta brasileiro)? É a mesma situação. A mesma loucura.
¡El Pity Martínez, qué loco que está!