Por que só se fala em um complô pró-Boca na Argentina?
Tales Torraga
A Argentina começou a semana ardendo em fúria e reclamações contra os erros de arbitragem em favor do Boca Juniors, líder do campeonato nacional, seis pontos à frente do San Lorenzo. Tais discussões são interessantes também ao Palmeiras, que vai enfrentar Tevez e companhia na fase de grupos da Libertadores.
Boca e San Lorenzo se cruzaram anteontem (4) no Nuevo Gasómetro em jogo que terminou 1 a 1 e com toda a sensação de que o Boca iria vencer: o Ciclón terminou a partida com nove jogadores. O primeiro expulso saiu ainda aos 42 do primeiro tempo – foi o volante Quignón, por acertar uma patada no tornozelo de Carlitos.
O San Lorenzo reclama – com razão – de três lances cruciais nesta partida apitada por Silvio Trucco: 1) o gol do Boca, marcado por Tevez, estava impedido; 2) a segunda expulsão do San Lorenzo ocorreu em um lance que nem falta foi; 3) o experiente zagueiro Fabricio Coloccini sofreu um pênalti que o árbitro não deu.
Contra o Talleres – ou seja, na partida exatamente antes do duelo contra o Boca -, o San Lorenzo também teve outros dois jogadores expulsos, e o árbitro ainda deixou de mostrar o cartão vermelho para um atleta rival. O Talleres ganhou: 2 a 0.
O técnico Pampa Biaggio, os jogadores, os dirigentes e o presidente do San Lorenzo, Matías Lammens, espumaram publicamente depois do clássico contra o Boca. O raciocínio deles e dos demais clubes é bastante claro: o futebol argentino hoje é comandado apenas por gente de forte ligação com o time azul e ouro.
O atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, é um ex-mandatário do clube. O hoje presidente da AFA, eleito há menos de um ano, é Claudio Chiqui Tapia, notório torcedor boquense. E o que é mais chamativo: mesmo com tantas reclamações, ele esteve na festa de aniversário de Tevez nesta segunda (5) em Buenos Aires. E o vice de Tapia na AFA é justamente o atual presidente do Boca, Daniel Angelici.
(Até o cantor Vicentico, um dos mais famosos da Argentina, entrou na onda: fez gestos de ''roubo'' ao imitar a camisa do Boca em um show em Córdoba.)
Os opositores indicam que o River Plate, arquirrival do Boca, já sentiu na pele os efeitos da ''máfia bostera'', como a desconfiança tem sido tratada pelos rivais – o River, afinal, foi eliminado pelo Lanús na semifinal da Libertadores do ano passado com uma arbitragem escandalosa e com muitos erros em favor do time que depois não ofereceria resistência ao Grêmio, especialmente na segunda partida da final.
Outro exemplo da atual força política do Boca é a mudança da seleção argentina da sua eterna casa, o Monumental de Núñez, para a Bombonera.
Tanto Marcelo Gallardo, técnico do River, quanto Rodolfo D'Onofrio, presidente do clube, deram declarações públicas neste começo de ano dizendo que iriam encarar 2018 ''com a guarda alta'', justamente para se precaver de tais favorecimentos.
Angelici, presidente do Boca, responde o mesmo a todos: ''Quem tenha provas, que as apresente na Justiça''. A mesma Justiça, afinal, que só cruzou os braços quando revelaram as escutas indicando favorecimento ao Boca contra o Corinthians na Libertadores de 2013 ou contra o Vélez em 2015.
* Atualizado: Pollo Vignolo, principal narrador da TV argentina, afirmou nesta tarde que quase apanhou da torcida do San Lorenzo no último domingo, e que dessa forma não vai mais aos estádios. O inconformismo anti-Boca está desatando ameaças a jornalistas e trocas de farpas entre dirigentes e jogadores pelas redes sociais. Já há quem defenda nas TVs e nas rádios uma paralisação do campeonato para acalmar os ânimos, ou o uso daqui por diante do árbitro de vídeo, que seria implantado só na próxima edição do sempre tumultuado Argentino.
O Boca joga a próxima rodada em casa – domingo, 20h15 (de Brasília), contra o Temperley. Neste caos, é de se esperar uma pressão desumana sobre o trio de arbitragem que for designado para trabalhar na Bombonera.