Opinião: O Brasil que tome cuidado. A crise também é boa para a Argentina
Tales Torraga
É mesmo um descalabro que os times argentinos abram a Libertadores com tamanha falta de ritmo, tamanha pobreza, tamanha incerteza, tamanha diferença de realidade na comparação com os adversários dos outros países.
Mas isso está longe de ser novidade.
A certeza argentina é conviver com a incerteza, seja ela social, política, econômica ou esportiva. Este é um país atado con alambre. É a terra da gambiarra. O conforto nos gera uma quase repulsa, porque somos así, qué querés que te diga?
Impossível projetar uma Argentina europeia também nos modos e na estrutura. Como bem disse Marcelo Gallardo ao Clarín, ''somos desorganizados e isso parece ser bom''. Não é, é verdade, mas se existe algo que faz a Argentina pegar fogo em qualquer competição esportiva é esta sensação de inferioridade que se transforma na correria alucinada que acaba com a paz – mas do adversário.
É muito fácil olhar para trás e enxergar exemplos dessa soma tipicamente argentina caos + superação = títulos. O período mais sombrio da história do país, a cruel ditadura que ajoelhou o país até 1983, foi acompanhada do auge do Independiente de Bochini que relegou brasileiros e uruguaios ao segundo escalão da bola.
Mesmo o Mundial de 1986, a Copa de Maradona, só foi erguida depois de inúmeras brigas entre os jogadores e com a imprensa. Esta é uma outra tática argentina: criar antagonismos por onde quer que passe, pois dessas brigas surge a raiva que move os batalhões em busca dos objetivos. Está aí o que deve ocorrer nesta Libertadores. Times desesperados jugando la vida por la Copa justamente para depois, se necessário, até agredir fisicamente os cartolas que deixaram de pagar.
Exagero? Vocês não conhecem a Argentina, muchachos…, lembrem do Boca x Palmeiras do Parque Antarctica em 2001 com todo o vestiário bostero vestindo camisas com insultos aos dirigentes e cantando de todo para eles. Mais um exemplo da insurgência do argentino? O atacante Bufalo Funes levar uma escopeta para o treino do River e receber um treinador linha-dura, Carlos Griguol, aos tiros.
A realidade argentina jamais é bem enxergada sob a ótica brasileira, é bom que isso fique claro desde este momento zero da Libertadores 2017.
Um bom recorte que mostra a força argentina em tempos de caos e de cólera é o auge do Boca de Bianchi, ali por 2000 e 2001, no surgimento do corralito que tirou o dinheiro dos clubes e de todo o país. Cofre vazio? Duas Libertadores e um Mundial. Houve inclusive o cúmulo do absurdo com o San Lorenzo faturando a Mercosul em cima do Flamengo enquanto o país trocava cinco presidentes em uma semana.
Está dado o aviso. Que o Brasil não olhe esta ''marolinha'' argentina de cima para baixo e não suba no salto da crise. É grande o risco de cair dele e ficar chorando depois, como já cansamos de ver nas noites de Morumbi e de Verão, ops, Verón.