Patadas y Gambetas

Há 20 anos, ‘Corte o cabelo ou te corto da seleção’. Os bastidores

Tales Torraga

Hoje, os argentinos discutem Messi. Há 20 anos, discutiam as mechas. Acreditem: houve tempo em que a seleção era escalada de acordo com o cabelo.

Redondo, Rodríguez (abaixado) e Batistuta na Copa de 1994 – não em um show de rock

O técnico da seleção em 1996 era o disciplinador Daniel Passarella, que foi longe demais. Proibiu homossexuais, impôs exames para detectar drogas e resolveu ''tesourar'' os cabeludos: ''Os jogadores se distraem. E as tiaras são perigosas''.

Houve quem acatasse, como Coudet, Ortega e Batistuta. Mas dois astros se negaram a engrossar a fila do cabeleireiro – Redondo e Caniggia.

Fernando Redondo, do Real e Milan por dez anos

Redondo e Passarella bateram boca de 1995 a 1997. Para o jogador, ser convocado e pedir para cortar o cabelo era uma coisa. Não ser convocado por conta da cabeleira, outra.

Até o presidente Carlos Menem alimentou os debates: ''A decisão de Passarella é tática. O cabelo é despiste''.

O ''E você? Cortaria ou não?'' ardia em Buenos Aires. Redondo não cortou. Entre a Copa de 1998 ou os cabelos, preferiu os cabelos e disse não ao Mundial da França.

A história com Caniggia foi mais longa. Encarador nos microfones como em campo, El Pájaro (o pássaro, pela velocidade) destruía defesas e o técnico da seleção: ''É absurdo, não posso concordar com exigências assim. Sou como Sansão''.

Caniggia começou 1996 vivendo sua melhor fase. Cansava de fazer gols pelo Boca e desabafar: ''Estou jogando mal, não? O cabelo me atrapalha. Estou cego''.

Caniggia hoje ou derrubando o Brasil em 90, sempre cabeludo. Foto: La Gaceta

Quem tomou seu partido foi Maradona. De volta à Argentina em 1995, pintou parte do cabelo como protesto pela postura de Passarella, antigo desafeto.

El Pájaro Caniggia, El Diez Maradona e El Príncipe Francescoli. Postal de uma era

''Passarella ergueu a Copa de 1978 graças aos gols de Kempes, mais cabeludo que Cristo. A história do futebol argentino se escreve com cabelo comprido. Minha melhor fase foi quando tinha tanto cabelo que parecia de capacete, tipo o Fangio.''

A brigas só diminuíram quando Passarella perdeu o filho de 18 anos, em desastre de carro. Maradona imediatamente baixou o tom e tirou a faixa colorida da cabeça.

Menos inflexível, o técnico recebeu Caniggia em sua casa e aceitou convocá-lo, mas por fim o atacante ficou fora do Mundial de 1998, também por lesão.

Alejandro Sabella, Daniel Passarella e Tolo Gallego

Perto do Mundial, e precisando de um terceiro goleiro, Passarella pediu para o assistente Gallego conversar com Scoponi, do Newell´s, outro notório cabeludo: ''Só corto meu cabelo se você emagrecer 30 quilos'', foi a resposta.

De carecas como Verón Passarella gostava mais

Os soldados de Passarella caíram nas quartas-de-final daquela Copa: 2 a 1 para a Holanda, com o gol decisivo, dos mais lindos da história, aos 44 minutos do segundo tempo.

A Argentina pegaria o Brasil na semifinal. Passarella x Zagallo. No compacto da TV do país, os comentários são de Caniggia.

O cabelo comprido na Argentina tinha a função de contestar as opressões. A maior liberdade vivida hoje no país tem feito o pelo largo ser esquecido pelos mais novos.

Messi em 2008

É de cara limpa, sem cabelo grande para se esconder, que a geração atual escancara suas decepções.