Patadas y Gambetas

Driblar a depressão, a grande jogada do ‘Rei de Copas’ Bochini

Tales Torraga

Independiente e Racing fazem às 19h15 (de Brasília) de amanhã o clássico do fim de semana. O jogo será na casa do Independiente, eterno time de Ricardo Bochini.

A carreira brilhante esteve longe de iluminar a escuridão interna do maestro Bocha

El Bocha ganhou com a equipe dois Mundiais e cinco Libertadores nos anos 70 e 80. Conquistou, sozinho, mais que qualquer time do Brasil (São Paulo e Santos, com três, são os recordistas do país).

A carreira de Bochini seria espantosa pelas conquistas só. Mas teve mais. Suas glórias foram amealhadas em meio a distúrbios que estiveram perto de matá-lo.

Revista Gente de 1976 – Bocha aos 22 anos

''Bocha sempre teve baixas. Tudo psicológico'', contou o amigo e companheiro de Independiente Daniel Bertoni. ''Em um tempo, achava que tinha câncer. Corríamos mais atrás dele na concentração que atrás dos adversários em campo.''

Médicos do clube relatavam depressão e ataques de pânico – no exterior, piorava.

Os maiores troféus não aplacaram o olhar distante de Bocha, homem de um time só, o Independiente

A vida de Bocha ficou re complicada depois de ser rejeitado pelos militares para a Copa de 1978 conquistada pela Argentina em casa. Seus cabelos despencaram.

Mesmo debilitado, jogou em grande nível até os 37 anos. Aos 32, conquistou a Copa do Mundo de 1986 no México com o pupilo e fã confesso Diego Maradona.

A reverência de Maradona a Bocha, aplaudida até por Néstor Kirchner

Homem de paz, Bocha foi venerado por fanáticos de outros clubes que iam ao Independiente só para vê-lo. Sua entrada na Copa emocionou toda a Argentina.

A idolatria por Bocha é tamanha que ainda hoje, 25 anos depois de jogar, inspira músicas como a do grupo Bersuit Vergarabat.

Bochini atualmente caça talentos para o Independiente e percorre a Argentina falando com jovens. Quando cita dificuldades, instrui e apoia, jamais lamenta.

Raramente menciona seus tratamentos. Contem os seus, pede. Em campo já era assim. Meio-campista, preferia servir o amigo, não fazer o gol.

Ontem Núñez, hoje niñez: Bochini em novembro em evento infantil na província de Santiago del Estero

''O que importa na vida e no esporte são a abertura e o carinho. As Copas que conquistamos foram importantes, mas essencial mesmo é desenvolver boas relações. É ouvir, respeitar, entender que todos têm dificuldades'', repete.

Hoje com 62, diz viver tranquilo. Só apertado com dinheiro.

Ídolo, atencioso e desapegado. Foto: El Gráfico

Escancarar a depressão é comum na Argentina, país de maior proporção de psicólogos por habitante em todo o mundo.

Fazer terapia é habitual como o mate ou a medialuna. Perguntar a uma criança abastada de Buenos Aires o que ela quer quando crescer é ouvir respostas como ''não sei, pero hay que hacer terapia''.

Livros, filmes, novelas e seriados suspendem o país desenvolvendo a relação sociedade e profissionais da mente.

Tal atenção se vê também no esporte. Conscientes que são referência para quem sofre, jogadores e técnicos tratam seus problemas com naturalidade. Ex-atleta e ex-treinador do River Plate, Matías Almeyda levantou esta bandeira há cinco anos.

Capa do diário ''Olé!'' de 5 de outubro de 2011

Dedicou longo capítulo de sua autobiografia aos problemas psicológicos e com o álcool. Narrou transtornos de pânico e cenas chocantes como um ataque sofrido por um boi no meio do mato ou quando parou no acostamento e rastejou pela estrada.

A espontaneidade é ouvida também na música. Canções de muito sucesso cantam rasgadamente a depressão, como ''Não quero ficar tão louco'', de Charly García.

O perfil em português de Bochini na Wikipedia está preciso, completo e vale demais ler. Esporte mais popular e poderoso do mundo, o futebol tem em Bocha um incrível exemplo de que sim se pode – sí, se puede – dar um tchau para a depressão.