Patadas y Gambetas

Por dentro da loucura de Marcelo Bielsa
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Tales Torraga

Marcelo Bielsa se foi – antes mesmo de chegar à Lazio. Não foi surpresa.

A Argentina está acostumada aos movimentos bielsistas. Marcelo é muito mais que um mero treinador. É o símbolo da ética que desafia o establishment a todo custo.

Contratá-lo é difícil. Atender (e manter) suas exigências, mais ainda.

Para entender as idiossincrasias é preciso voltar à infância na Rosário dos anos 60.

Marcelo é filho e neto de dois dos advogados mais importantes não só da província de Santa Fe. E sim de toda a Argentina. Sua mãe foi professora de matemática.

Seu irmão e sua irmã foram senador e vice-governadora. Na casa abastada e erudita, Marcelo decidiu seguir carreira no futebol. E desde a infância apostou na obsessão e na rebeldia para convencer a família de que, afinal, seria bem-sucedido.

Largou os parentes aos 16 anos para viver na pensão do Newell's Old Boys: ''Tenho coisas a fazer'', limitou-se a dizer à mãe e sair de casa só com a bicicleta.

Tinha (e tem) aversão a luxo e vanidades. Basta vê-lo para comprovar.

Jogou em todas as categorias de base e estreou na Primeira Divisão em 1976. Zagueiro, pouco atuou. Sabia que não se destacaria como prometera à família.

Foi buscar seu sucesso à beira do gramado. Começou de baixo, galgou toda a formação e estudou Educação Física na UBA, a Universidade de Buenos Aires.

Lá, estreou como técnico. Obcecado por todas as formas de conhecimento, tinha (e tem) grande dificuldade para controlar o temperamento: ''Sou argentino, afinal''.

Em mais de uma ocasião resolveu desavenças com socos. Tirava o relógio e com calma chamava o interlocutor para a briga: ''Só podemos resolver desta forma''.

Sua loucura foi definida pelo ex-jogador Jorge Valdano como ''excesso de qualidades''. Buscar depoimentos sobre Bielsa é saber de um humano afetuoso, sincero e extremamente frontal – mas de pavio curto com futilidades e trapaças.

Em famosa passagem, apareceu com uma granada na mão ameaçando atirá-la na torcida do Newell's que protestava uma derrota na porta de sua casa. Era 1992.

Na seleção argentina, encantou tanto pelo bom futebol quanto desesperou pelos escassos resultados. Foi eliminado na fase de grupos da Copa do Mundo de 2002. E se retirou em um convento com uma pilha de livros de futebol por três meses depois disso. Começou a falar sozinho. E percebeu que era hora de voltar à ativa.

Ganhou o ouro na Olimpíada de 2004. E renunciou: ''Minha energia acabou''.

Sua passagem por clubes e por outra seleção – a do Chile – demonstrou outra cara pouco conhecida no Brasil: a da extrema dedicação às estruturas de trabalho. Tirava dinheiro do seu bolso para reformar gramados e concentrações. Quando percebia algo que fugia à sua forma de ser – especialmente com o dinheiro -, simplesmente se retirava, para frustração de quem o seguia. Costuma fazer amizades mais profundas com os profissionais menos valorizados, como roupeiros e massagistas.

Muito por conta do temperamento campestre que cultiva desde os anos 70. Marcelo se refugia em Máximo Paz, na Província de Santa Fe, e mantém sua vida por lá todo o tempo que pode. Diz fazer isso para não ser influenciado por visões equivocadas sobre seu trabalho. É amado no seu povo. Amigo do primeiro ao último momento.

Bielsa é tão adorado pelos jogadores e torcedores quanto odiado pelos dirigentes. Nas entrevistas coletivas – tem horror à imprensa e se recusa a atender jornalistas individualmente -, em mais de uma vez fez duras críticas a seus chefes. Ficou famosa a foto sua nesta ocasião com o desespero de uma assessora.

''Prefiro que ninguém me conheça a que me conheçam de forma errada'', costuma repetir. ''O homem que tem ideias novas é um louco até que essas ideias triunfem.''

''Éramos todos amigos e a gente adorava jogar juntos. Passávamos bem reunidos e tentávamos fazer o melhor possível. Atacávamos muito e logo recuperávamos a bola para atacar de novo. Esse é o futebol''. Este é Marcelo Bielsa.

Personalmente creo que todo esto es una locura, Marcelo.


Boca perde sua maior invencibilidade em Libertadores, mas encaminha vaga
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Tales Torraga

A derrota em Quito para o Independiente del Valle não deve assustar o Boca Juniors para a definição da semifinal na próxima quinta (14) em Buenos Aires.

Apesar de levar a virada – estava ganhando por 1×0, gol do volante Pablo Pérez -, a equipe mostrou o suficiente para a classificação: raça e entrega ofensiva.

A curiosidade da alta noite de Quito e seus 2.850 metros de altitude veio da estatística: com a derrota desta quinta, o Boca encerrou a sua maior série invicta na Libertadores. Eram 11 jogos sem perder: o escandaloso empate contra o River ano passado na Bombonera na Noite do Gás e as dez partidas desta campanha.

Tão parelho, o duelo teve a bola do jogo, no último lance de partida, com o Boca, errada por Betancur. Ao Independiente del Valle contribuíram a altitude – o desempenho físico no segundo tempo foi desigual – e um erro crasso do lateral-esquerdo Fabra que possibilitou o gol da virada.

Tevez foi bem, mas errou um mano a mano que deveria garantir o empate no fim.

A questão técnica está nos conformes. Não houve lesionados ou expulsos, e uma vitória simples garante o Boca na final. Resta saber como ficará a cabeça.

A euforia da torcida rapidamente poderá virar uma arma de doble filo. Perder para qualquer adversário na Bombonera é raridade na história do Boca. Para o anônimo Independiente, pouco habituado a jogos de tal quilate, ainda mais.


Três quilos mais magro, Tevez vira o ‘Messi’ do eufórico e obcecado Boca
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Tales Torraga

Carlitos Tevez voltou ao Boca Juniors há exatamente um ano, em julho de 2015. E desde então não fez outra coisa a não ser pensar e se preparar para a série de partidas que será aberta hoje (7) às 21h45 em Quito, contra o Independiente del Valle, confronto de ida da semifinal da Libertadores da América, sua obsessão.

Tevez aproveitou bem a pausa de 48 dias desde a última partida pela Copa. Emagreceu três quilos e seguiu uma dieta própria só de alimentos sem glúten. Foi dos mais exigidos durante os trabalhos físicos e respondeu à altura.

Aos 32 anos, está em plena forma, ''como se tivesse só 27'', brincou.

El Apache sabe que jogará toda sua idolatria na série aberta hoje. Voltou para ganhar a Libertadores, e já há na torcida um forte clima de ''ganhar ou ganhar'' igual ao que embalou a Argentina na última Copa América.

Conversar sobre futebol em Buenos Aires é ouvir temas repetidos como ''é a Libertadores mais fácil de todas'' ou ''se não ganhar esta, não ganhamos mais''.

Tevez, neste cenário, é o Messi do Boca. De quem todos esperam tudo, menos falhas. Para a Argentina triunfalista, e se há torcida acostumada a triunfar recentemente no país é a do Boca, levar o troféu à Ribera será mero trâmite.

Além do ''Super Tevez'', o Boca contará nesta noite na altura de Quito – 2.850 metros de altitude – com as estreias de dois contratados justamente para a Libertadores: o atacante Darío Benedetto, ex-América do México, e o meio-campista Fernando Zuqui, ex-Godoy Cruz.

Os titulares xeneizes escalados por Guillermo Barros Schelotto são Orión; Peruzzi, Díaz, Insaurralde e Fabra; Pérez, Jara e Zuqui; Lodeiro, Tevez e Benedetto.


Bauza e Gallardo: favoritos ao cargo vago por Tata ‘Martírio’ na seleção
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Tales Torraga

Nem para a gente, nem para o diário espanhol ''As'' foi uma surpresa: a renúncia de Tata Martino comunicada hoje já estava determinada desde a derrota para o Chile.

O ''As'' foi além. Escreveu que Martino – chamado em Buenos Aires nos últimos dias de 'Martírio' – comunicou aos seus colegas de corpo técnico ainda no ônibus, saindo do estádio depois de perder a final, que não seguiria no cargo.

O histórico caos dos últimos dias no futebol argentino – onde caos brotam a cada mês – teve pouca influência. A comunicação ocorreu apenas hoje porque ele esperava a reunião com dirigentes da AFA para informar-lhes a renúncia pessoalmente antes de tornar pública sua decisão meditada há nove dias.

Foi estranho, porém, Martino usar duros termos contra a desorganização do futebol argentino em seu comunicado oficial, algo encarado por toda a Argentina como escapismo porque ele não pularia fora se fosse campeão contra o Chile.

A situação é tão surreal que o ácido comunicado foi disparado pela própria AFA, provando que a Argentina está de pernas para o ar como nunca.

Entre os portenhos há expectativa de iminentes e violentos protestos contra os aumentos de luz e gás, e esta tensão está instalada em tudo, não só no futebol.

Em Buenos Aires é dada como certa a busca de um treinador exclusivamente aos Jogos Olímpicos para a definição do sucessor de Martino ser mais tranquila. O nome mais forte para o Rio de Janeiro é o de Humberto Grondona, treinador campeão sul-americano sub-20, competição que classificou a Argentina à Olimpíada.

Humberto é filho de Julio Grondona, ex-presidente da AFA, morto no ano passado.

Outro candidato é Julio Olarticoechea, atleta em 1986, atual treinador do sub-20.

(Acabou sendo ele, El Vasco Olarticoechea, o escolhido para os Jogos)

AFA, por sinal, que está sem presidente e sem dinheiro. Martino deixou o cargo também porque ficou sem receber o salário de, dizem, de quatro a seis meses.

Quem segue o órgão de perto afirma que a inanição é uma tática do presidente da Argentina Mauricio Macri e de Rodolfo D´Onofrio e Daniel Angelici, mandatários de River e Boca, para definirem um sucessor que corresponda aos interesses do trio.

O nome de Edgardo Bauza, do São Paulo, é forte favorito para o lugar de Martino. É a aposta dos jornalistas que seguem há muitas décadas os bastidores da seleção. Tanto que até uma arte com seu nome e retrospecto já circula em Buenos Aires.

Diego Simeone esteve na semana passada na capital portenha e confirmou aquilo que colocou até em seu livro recém-lançado: não pensa em seleção por enquanto.




Caso semelhante é o de Mauricio Pochettino, do Tottenham, técnico só desde 2008.

O mano a mano então seria entre Bauza e Marcelo Gallardo, do River Plate. Outros dois nomes ventilados a princípio seriam mais difíceis de aceitar: Marcelo Loco Bielsa e Jorge Sampaoli, recém-colocados respectivamente na Lazio e no Sevilla.

Sampaoli deve receber em Sevilha nesta quarta ou quinta a visita de Juan Sebastián Verón, emissário da AFA, que lhe fará o convite formal – que só seria efetivado em caso de acordo nas conversas por telefone que têm desde ontem.

A multa pela saída seria um problema. A seleção não tem dinheiro. Só dívidas.

Gallardo tem a seleção como consequência natural da carreira e, segundo seu biógrafo, Diego Borinsky, aceitaria o chamado imediatamente.

Bauza, com a cabeça na semifinal da Libertadores com o São Paulo, pode ganhar uma razão para dividir seu pensamento nos próximos e cruciais dias de Morumbi.

* Atualizado às 14h40 de quarta (6). Abaixo, o ''Olé'' pedindo por um técnico e brincando: ''Não nos deixem mestiços''. Mestiço, Cholo, é o apelido de Simeone.


Forasteiro precoce: os recordes que Calleri busca pelo São Paulo no Morumbi
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Tales Torraga

Jonathan Calleri está em contagem regressiva para deixar o São Paulo rumo à Europa. E o jogo desta quarta (6) às 21h45 contra o Atlético Nacional-COL pode ser seu adeus ao Morumbi, estádio que nunca vibrou tanto com um atacante argentino.

Artilheiro desta Libertadores com 8 gols ao lado dos compatriotas Marco Rubén e Ismael Sosa (ambos fora), Calleri está traçando, neste ano, novos padrões.


O primeiro é o fato de jamais um jogador argentino ser artilheiro da Libertadores por um clube brasileiro. É preciso voltar até 1974 para encontrar um antecedente estrangeiro, o do Verdugo uruguaio Pedro Rocha com a própria camisa são-paulina.

Há também o boliviano Marcelo Moreno que entra na lista mais como curiosidade. Foi goleador em 2008 pelo Cruzeiro. Mas defendeu até seleções de base do Brasil.

Para se ter ideia da façanha de Calleri, jamais um estrangeiro – brasileiro ou de qualquer outro país – foi artilheiro da Libertadores por um clube da Argentina.

Outro feito de Calleri diz respeito à sua precocidade. Com apenas 22 anos, tem a chance de ser um dos caçulas no clube dos goleadores das Américas.

Entre os são-paulinos – clube brasileiro que mais artilheiros produziu na Libertadores, com seis – o mais jovem até hoje é Luís Fabiano, 23 anos em 2004, edição na qual o São Paulo parou na semifinal, fase aberta nesta quarta-feira.

De todos os 25 artilheiros argentinos até hoje, Calleri seria o segundo mais jovem. Atrás só de Sebastián Ereros, goleador pelo Vélez aos 21 anos em 2006, edição que contou com 14 artilheiros empatados. Jamais tantos dividiram a condição.

A Argentina (25) tem quatro artilheiros menos que o Brasil (29) em toda a história.

Os são-paulinos artilheiros da Libertadores:

Toninho Guerreiro 1972,  6 gols – 29 anos
Pedro Rocha 1974, 7 gols – 32 anos
Terto 1974, 7 gols – 27 anos
Palhinha 1992, 7 gols – 24 anos
Luís Fabiano 2004, 8 gols – 23 anos
Aloísio 2006, 5 gols – 29 anos
(?) Jonathan Calleri 2016, 8 gols – 22 anos


Bobby Fischer: Islândia e Buenos Aires
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Tales Torraga

Nada de futebol, nada de França, nada de Eurocopa.

A fama prévia da Islândia no esporte veio do xadrez.

Tudo porque a Islândia foi o lar escolhido pelo genial americano Bobby Fischer.

Mas para contar esta história precisamos pousar em um país vizinho: a Argentina, outra pátria que adotou Fischer.

Para os novos ou não tão chegados em xadrez: Robert James Fischer foi mais que um jogador, e sim um símbolo do embate americano-soviético na Guerra Fria.

Aos 6 anos, ganhou o primeiro tabuleiro. Aos 14, já era campeão absoluto dos EUA.

Nesta época – 1959, com 16 -, desembarcou em Buenos Aires pela primeira vez.

Amou a cidade. Seu temperamento instável e seus delírios encontraram ressonância portenha. Fischer era mais portenho que os próprios portenhos. Obsessivo e brilhante. E uma pessoa com hábitos tão peculiares como aparecer, sem avisar, na redação do jornal ''La Crónica'' simplesmente porque o lia. Saiu sem se despedir.

Fischer, o xadrez, a praça e os chicos de River e Boca: Buenos Aires 1971

¡Que personaje!

Fischer esteve em outras cidades argentinas como Mar del Plata e Córdoba, mas respirou Buenos Aires outras três vezes, prova de seu amor pela capital.

Esta frequência de visitas de Fischer a único lugar foi bastante incomum. Dizia abertamente não gostar de adultos – apenas do xadrez, dos animais e das crianças.

No campo argentino com um raro sorriso

Bobby teve tudo isso em terras portenhas em 1969, 1971 e 1996 – a última, para jogar um match de seu xadrez aleatório no qual as peças saem de posições diferentes das comuns. O dinheiro não apareceu. E Fischer disse adeus.

Sozinho e abstraído em Buenos Aires

Sua mais famosa passagem por Buenos Aires foi a de 1971, quando se classificou para enfrentar o então campeão do mundo, o soviético Boris Spassky.

O Torneio de Candidatos, seletiva que designava o desafiante ao trono, ocorreu no Teatro San Martín, a quatro quadras do Obelisco, na avenida Corrientes que parava para ver Fischer destruir o também soviético Tigran Petrosian.

Bobby retribuía o carinho à sua maneira: devorando pizzas, batatas fritas e bifes (sempre com a mão) e percorrendo as muitas livrarias atrás de obras de xadrez.

Ia, encontrava o que gostava e saía sem pagar ou dizer nada. Tinha horror à imprensa. Uma das mais comentadas matérias de sua passagem está na revista 'Gente', aqui. Tenta entender as razões que levavam, por exemplo, Fischer a carregar, dos EUA à Argentina, sua própria televisão para ver lutas de boxe. 

Em 1972, Fischer desembarcou na capital da Islândia, Reykjavik, para o 'Match do Século' contra Spassky, evento dos mais transcendentes da história do esporte.

Venceu o duelo de 21 partidas entre julho e agosto daquele ano e tornou-se o herói americano no simulacro do embate entre os EUA e a União Soviética.

Enfim campeão mundial, Fischer caminhou para um perigoso ostracismo que o jogou na loucura e o fez sofrer. Recusou-se a defender a coroa, passada por abandono a Anatoly Karpov. Viveu sentindo-se perseguido. Só saía para caminhar disfarçado e de madrugada. Numa, foi confundido com assaltante, preso e torturado.

Reapareceu em 1992 para novo match contra Spassky, desta vez na Iugoslávia. Violou sanções dos EUA e voltou a sumir. Foi reencontrado no Japão em 2004 e preso por usar passaporte inválido.

No ano seguinte, abriu mão da cidadania americana. Decidiu viver na Islândia.

Sua vida dedicada única e exclusivamente ao xadrez terminou em janeiro de 2008, aos 64 – o exato número de casas do tabuleiro.

Fischer hoje está enterrado em Selfoss, a 60 quilômetros da Reykjavik que ofereceu a paz, a reclusão e o silêncio que tanto buscou.

O silêncio neste domingo será interrompido pelo futebol. Por uma boa razão.

Fischer certamente pensaria assim. Milhares diante de TV.

E ninguém para atrapalhar sua eterna busca pela perfeição no tabuleiro.


‘Messi de 78’: O capitão argentino que disse não à Copa, seleção e ditadura
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Tales Torraga

Silêncio.

Foi esta a resposta de Jorge Carrascosa para a matança que brutalizou a Argentina.

Carrascosa era nada menos que o capitão da seleção do país na Copa do Mundo de 78 – a dos generais assassinos e da pelota ensangrentada dos desaparecidos.

Carrascosa foi o Passarella antes de Passarella. Titular na Copa do Mundo de 1974 na Alemanha. Líder dentro e – principalmente – fora de campo. El Gran Capitán.

Berti Vogts, Arnaldo Cezar Coelho e Jorge Carrascosa. A regra é clara: 1 foto, 3 gênios

Lateral-esquerdo de recuerdos imborrables de Banfield, Huracán e Rosario Central, Carrascosa foi o Valdano antes de Valdano. Unia a técnica ao brilhante intelecto. Certamente dos jogadores mais cultos do mundo a pisar um gramado de futebol.

Carrascosa foi, em 1978, o Messi antes de Messi: ''Seleção para mim terminou''.

Argentina 1×1 Escócia 1977: Houseman, Killer, Olguín, Carrascosa, Loco Gatti e Tarantini; agachados: Gallego, Ardiles, Luque, Vila e Bertoni

Sua ética não se negociava. E se feriu no Mundial de 1974. Na primeira fase, a Argentina ofereceu uma 'mala branca' à Polônia, que venceu a Itália e contribuiu com a permanência sul-americana na Copa. Carrascosa não se conformou:

– Me caiu muito mal. Devo render o máximo sem que me ofereçam nada em troca. Desvirtuou a essência do esporte. Não presto e nunca vou prestar para isso. As pessoas devem diferenciar as coisas boas das ruins.

Altivo como um técnico. Carrascosa en la cancha. Menotti no banco

Estafado. Mas craque em campo e com total voz de comando. Exemplo de conduta.

Aos 29 – mesma idade de Messi hoje -, fez toda a preparação argentina para o Mundial 78. Era titular indiscutível e, desde 1975, capitão. Carregaria em sua cinta a ilusão da Argentina e dos…militares que usaram e abusaram da Copa como forma de despistar o foco do cruel genocídio às escuras que ocorria em Buenos Aires.

O capitão Carrascosa com o futuro capitão Dieguito Maradona – então 17 anos

Aí veio o silencioso xeque-mate de Carrascosa.

Em maio de 1978, o técnico Menotti enviou à Fifa os convocados para o Mundial e incluiu o nome de Carrascosa – que disse ao treinador que abria mão do chamado e da oportunidade de disputar, na Argentina, como capitão, o Mundial em seu país.

Menotti pressionou. Carrascosa não cedeu.

– Não podia ir a um Mundial com as coisas que aconteciam no país. Se convocado, tampouco iria para 1982, pelas Malvinas.

Um passo atrás e à reclusão. Jamais esclareceu seu ato. Os amigos falam por ele:

– Carrascosa recusou ser cúmplice do golpe militar. Nunca explicou nada por respeito aos companheiros.

Até hoje a Argentina desconfia que aquela seleção sabia sim da matança praticada pelo então governo. Que os jogadores dissimularam. E assim atuaram na Copa.

Carrascosa deixou os campos em 1979. Estava no Huracán.

Tinha 31 anos e dois mais de contrato.

– A vida passa por coisas mais importantes que o futebol.

E disse adeus. Cumpriu um exílio em Mar del Plata. Hoje vive em Adrogué, Buenos Aires, onde trabalha com seguros. Casado há 46 anos. Duas filhas e quatro netas.

Em 2009, pelos 30 anos do seu retiro, um site argentino publicou longa e espetacular entrevista com ele, hoje, em 2016, com 67 anos.

É a única. Carrascosa não quer falar. E quando diz 'não' é 'não'.

Silêncio e princípios seus respondem ao que há de mau na Argentina e no mundo.

É figurinha, mas poderia ser capa de livro – a história de Carrascosa merece registro eterno

 


O Tata que a Argentina ama
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Tales Torraga

Que semanita, esta, na Argentina.

Em meio ao furacão Messi, dois Tata também mobilizaram a opinião portenha.

O primeiro, o criticado técnico Tata Martino. A torcida não entende suas falhas contra o Chile. Segue sem entender por que não foi demitido ou pediu para sair.

O outro Tata vai pelo caminho oposto.

Trata-se de Tata Brown, zagueiro campeão do mundo em 1986 – título que completou 30 anos anteontem com a devida celebração.

Argentino típico, El Brown reconheceu limitações e as venceu com o coração.

Muitas limitações. Criado em povo de 5 mil habitantes, na adolescência ia para estrada de madrugada para tomar carona e treinar no Estudiantes.

Nos anos prévios à Copa, mais problemas.

Primeiro, uma terrível lesão no joelho. Depois, decorrência da contusão, ficou sem clube e sem jogar. Foi chamado para a Copa mesmo assim.

Quando El Kaiser Passarella não teve condições de jogo, Brown, 29 anos, foi o escolhido. E precisou lidar com o desgaste de ter Daniel como colega de quarto.

Deixou a vida em cada bola. Brown e Ruggeri, a dupla de zaga.

Mamita querida! Até na concentração pediam licença para passar.

Jogou 36 vezes pela seleção e marcou um único gol – o primeiro dos 3×2 na final com a Alemanha. Sua comemoração, re emotiva, fez a Argentina chorar anteontem.

Tata já vinha chorando desde o hino. No ponto.

Guerreiro discreto, deslocou o ombro no começo do segundo tempo. Rasgou a camisa, lá enfiou o dedo e, meio imobilizado, seguiu até o fim: ''Só sairia morto''.

Sem barba, sem celular, sem tatuagem, pero con todos los huevos bien puestos.

Sua dedicação já era percebida antes da Copa. Passeando no México, vendo que o zagueiro queria um relógio e não tinha grana, Maradona o deu de presente. ''Sabia que ele seria muito importante, que nos entregaria tudo'', disse El Diez.

Sua idolatria é tamanha que foi o primeiro personagem, na segunda-feira, a repercutir a renúncia de Messi. Aqui, sua espetacular história na final. Colocaram a narração de seu gol para Tata ouvir 30 anos depois. Hoje com 59, é colaborador do estafe juvenil do Estudiantes, seu primeiro amor.

Aos que o criticam por falhas naquela final – a Argentina ganhava por 2×0 e levou o 2×2 -, a resposta sai automática:

– Briegel, o Tanque, o melhor do mundo, perdeu na corrida para Burruchaga e saiu o 3×2. Nos deixem com o Tata.


Vá embora, Messi
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Tales Torraga

Com a mesma soberba e leviandade com que se exigiu que seja um líder, agora, em forma de campanha, se instala o pedido coletivo para que Lionel Messi reconsidere a decisão de abandonar a seleção argentina.

O nacionalismo de hoje tem a forma de uma camiseta de futebol.

Como o melhor jogador do planeta pode nos abandonar?

Somos os maiores do mundo. Em que outro lugar vai estar melhor?

Messi mal fez as malas e já o colocamos de novo na boca de lobo.

A hashtag #notevayas e as toscas campanhas no Facebook escondem no desejo de apoio uma cota de doença e prepotente pertencimento: você não pode ir porque quero te ver de novo em campo com a camiseta argentina.

É meu desejo e você vai cumprir.

Esse autorreferencial de se olhar para Messi terminou por maltratar uma relação amorosa e incompleta entre o jogador e a seleção.

Um vínculo sempre contaminado com a comparação com Maradona e pelo saudável baixo perfil, impróprio para atleta como ele em um mundo onde manda o marketing.

Poucos se perguntaram o que sentiu quando desmontou no gramado antes mesmo de se concretizar a derrota. O mal moderno de reter algo a qualquer preço e ignorar a vontade alheia. O maior artilheiro da seleção está obrigado agora a carregar a frustração dos outros, como se não tivera demasiado com a própria.

Depois de suplicar-lhe para que fosse como Maradona, chegou a exigência para que seja como um Deus argentino.

E ele disse basta à sua maneira. De forma seca, sem grandes anúncios. Perdeu as quatro finais que disputou com a seleção e com 29 anos sente que fechou um ciclo.

O que há de errado nisso?

Se um amigo, em crise, nos confessar que quer colocar fim ao seu casamento depois de anos de frustrações, o último que alguém faria é recomendar que mantenha essa relação a qualquer preço sem antes escutá-lo. Muito menos iniciar uma campanha pública de alento com bumbos e pratos. Não nos privemos de escutar os motivos da sua renúncia. Talvez nos queira dizer algo já faz muito tempo.

Vá embora, Messi. Vá tranquilo, se é o que quer.

Se a gente não se ver de novo por esses lados, obrigado por tudo.

Por Alejo Vetere, editor do ''La Nación'', a quem devo uns mates pela generosidade e pela forma sempre muito sensata de descrever a vida – especialmente a portenha.


Como Freud explica Messi
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Tales Torraga

O pênalti perdido por Lionel Messi foi um caso claro de 'indivisão'.

A indivisão é caracterizada pela queda das habilidades no momento no qual se juntam extrema pressão psíquica e necessidade de eficiência na motricidade fina.

Um exemplo é o primeiro concerto de Chopin em Paris. Ele se bloqueou. Parou. Não conseguiu tocar. E ninguém dúvida da habilidade de Chopin em tocar piano.

Outra forma de explicar a motricidade fina sob pressão é esta:

Todos nós usamos normalmente a chave. Mas se formos ameaçados por alguém armado dizendo 'Ponha de primeira ou te mato', trememos e não conseguimos.

Foi descrita por Freud em 1918 como a 'linha que vai da angústia à indivisão'.

Não há relação entre capacidade da pessoa e indivisão. Qualquer pessoa com extrema capacidade de fazer algo a vive.

Mascherano, que não chuta a gol seguidamente como Messi, muito menos com a mesma precisão, mas por ter uma maior força psíquica ali, acertou seu pênalti.

Não tem a ver com a capacidade. É uma conduta humana em não responder com a plenitude das habilidades quando se está sob pressão muito grande.

É nítido que Messi carrega um peso excessivo de responsabilidade.

Ele é o capitão, o melhor do mundo, de quem todos esperam. Mas é um ser humano.

Maradona errou cinco pênaltis seguidos nos anos 90 quando jogava no Boca.

A renúncia pós-jogo foi produto de muitos fatores. Entre eles está a cobrança excessiva de carregar o peso e a responsabilidade de todo do grupo.

Messi é um jogador de muito prestigio perante os colegas pela eficiência técnica, mas sem personalidade de liderança. Não é um líder. Líder é a pessoa com voz de mando, que verte emoções, que geralmente se encarrega da parte anímica do resto.

Líderes são Passarella, Ruggeri, Mascherano.

Estamos pedindo demais ao melhor jogador do mundo. Que ele desparrame sua técnica, que se encarregue do anímico, que seja capitão, que cobre o pênalti…

E ninguém aguenta isso.

Por trás do ídolo tão identificado há o humano que sente angústia e executa mal.

Os jogadores hoje são muito treinados para isso. Messi está treinado para isso.

Mas ele vem de um clube onde não precisa demonstrar nada. Vem de um crédito ilimitado no Barcelona. Lá ele tem espaço para errar e não acontecer nada demais.

Ele parece precisar revalidar suas condições na Argentina. Messi não é acostumado a isso, e sim a entrar em campo tranquilo e fluído por não precisar provar nada.

Na Argentina, por distintas considerações, por não ter crescido aqui, se sente obrigado a fazer coisas que não aguenta.

Os condutores do grupo não manejam este tema com precisão.

De onde vem a pressão que a sociedade impõe ao jogador? A pessoa destacada gera identificação, a sociedade quer de alguma maneira ser como esta pessoa.

Em qualquer sociedade, não só a argentina.

Pensamos numa criança: 'Quero jogar como Messi, quero ser famoso como este, inteligente como aquele'.

O que não se permite nesta questão de idealização, e isso passa por uma questão de educação, é que o erro e o não ganhar sempre fazem parte do ser humano.

Um ideal é um ideal, uma parte humana é uma parte humana.

Os humanos falham. A estrutura do humano é a falha, a falta.

Isso é o que nos faz desejar. Isso é o que nos faz particularmente humanos.

Quando alguém se identifica com algo, se identifica com algo completo, que usualmente não poderia falhar nunca, que nunca teria defeito ou problema.

Isto não é do campo humano. É simplesmente um campo identificatório.

Quando a torcida diz: 'Perdemos sete finais', não pensa: 'Chegamos a sete finais'.

É muito difícil chegar a sete finais.

Mandar embora os jogadores e o técnico gera uma hipótese um pouco perigosa.

O que se fala na Argentina desde antes desta Copa América é que ela teria que ser vencida, que a seleção não poderia perder, que ela não poderia escapar.

E na realidade isso não é verdade.

Quando não se toma a realidade com todos seus aspectos, caímos em situações como esta, de extrema frustração.

É uma situação ridícula perder e querer que todo mundo saia.

Não vejo a Copa do Mundo sem Messi. Não quero confundir com noção de desejo, mas não imagino que, perto da Copa, o melhor jogador do mundo fique fora.

Messi precisa se recapacitar, e ele está em um enorme lugar para crescer.

Ele é tão bom jogando futebol, e teve tão poucas derrotas, e se há algo com o qual aprende um ser humano, é com suas falhas.

Com o que não saiu bem.

Messi tem uma grande oportunidade para aprender. Confio que ele vai tomar a falha como lição e que a derrota não vai significar ficar fora das coisas que empreende.

Sei que ele é um ser humano. Sei e entendo.

Mas penso desta forma. Ficar de fora não pode ser a resposta.

Fonte: Oscar Mangione. Referência da psicologia esportiva em Buenos Aires, cidade de destaque mundial entre os profissionais da mente. Atuou no Boca de 1989 a 1994 (mesmo sendo torcedor declarado do River, onde também trabalhou).