Patadas y Gambetas

Como Freud explica Messi

Tales Torraga

O pênalti perdido por Lionel Messi foi um caso claro de 'indivisão'.

A indivisão é caracterizada pela queda das habilidades no momento no qual se juntam extrema pressão psíquica e necessidade de eficiência na motricidade fina.

Um exemplo é o primeiro concerto de Chopin em Paris. Ele se bloqueou. Parou. Não conseguiu tocar. E ninguém dúvida da habilidade de Chopin em tocar piano.

Outra forma de explicar a motricidade fina sob pressão é esta:

Todos nós usamos normalmente a chave. Mas se formos ameaçados por alguém armado dizendo 'Ponha de primeira ou te mato', trememos e não conseguimos.

Foi descrita por Freud em 1918 como a 'linha que vai da angústia à indivisão'.

Não há relação entre capacidade da pessoa e indivisão. Qualquer pessoa com extrema capacidade de fazer algo a vive.

Mascherano, que não chuta a gol seguidamente como Messi, muito menos com a mesma precisão, mas por ter uma maior força psíquica ali, acertou seu pênalti.

Não tem a ver com a capacidade. É uma conduta humana em não responder com a plenitude das habilidades quando se está sob pressão muito grande.

É nítido que Messi carrega um peso excessivo de responsabilidade.

Ele é o capitão, o melhor do mundo, de quem todos esperam. Mas é um ser humano.

Maradona errou cinco pênaltis seguidos nos anos 90 quando jogava no Boca.

A renúncia pós-jogo foi produto de muitos fatores. Entre eles está a cobrança excessiva de carregar o peso e a responsabilidade de todo do grupo.

Messi é um jogador de muito prestigio perante os colegas pela eficiência técnica, mas sem personalidade de liderança. Não é um líder. Líder é a pessoa com voz de mando, que verte emoções, que geralmente se encarrega da parte anímica do resto.

Líderes são Passarella, Ruggeri, Mascherano.

Estamos pedindo demais ao melhor jogador do mundo. Que ele desparrame sua técnica, que se encarregue do anímico, que seja capitão, que cobre o pênalti…

E ninguém aguenta isso.

Por trás do ídolo tão identificado há o humano que sente angústia e executa mal.

Os jogadores hoje são muito treinados para isso. Messi está treinado para isso.

Mas ele vem de um clube onde não precisa demonstrar nada. Vem de um crédito ilimitado no Barcelona. Lá ele tem espaço para errar e não acontecer nada demais.

Ele parece precisar revalidar suas condições na Argentina. Messi não é acostumado a isso, e sim a entrar em campo tranquilo e fluído por não precisar provar nada.

Na Argentina, por distintas considerações, por não ter crescido aqui, se sente obrigado a fazer coisas que não aguenta.

Os condutores do grupo não manejam este tema com precisão.

De onde vem a pressão que a sociedade impõe ao jogador? A pessoa destacada gera identificação, a sociedade quer de alguma maneira ser como esta pessoa.

Em qualquer sociedade, não só a argentina.

Pensamos numa criança: 'Quero jogar como Messi, quero ser famoso como este, inteligente como aquele'.

O que não se permite nesta questão de idealização, e isso passa por uma questão de educação, é que o erro e o não ganhar sempre fazem parte do ser humano.

Um ideal é um ideal, uma parte humana é uma parte humana.

Os humanos falham. A estrutura do humano é a falha, a falta.

Isso é o que nos faz desejar. Isso é o que nos faz particularmente humanos.

Quando alguém se identifica com algo, se identifica com algo completo, que usualmente não poderia falhar nunca, que nunca teria defeito ou problema.

Isto não é do campo humano. É simplesmente um campo identificatório.

Quando a torcida diz: 'Perdemos sete finais', não pensa: 'Chegamos a sete finais'.

É muito difícil chegar a sete finais.

Mandar embora os jogadores e o técnico gera uma hipótese um pouco perigosa.

O que se fala na Argentina desde antes desta Copa América é que ela teria que ser vencida, que a seleção não poderia perder, que ela não poderia escapar.

E na realidade isso não é verdade.

Quando não se toma a realidade com todos seus aspectos, caímos em situações como esta, de extrema frustração.

É uma situação ridícula perder e querer que todo mundo saia.

Não vejo a Copa do Mundo sem Messi. Não quero confundir com noção de desejo, mas não imagino que, perto da Copa, o melhor jogador do mundo fique fora.

Messi precisa se recapacitar, e ele está em um enorme lugar para crescer.

Ele é tão bom jogando futebol, e teve tão poucas derrotas, e se há algo com o qual aprende um ser humano, é com suas falhas.

Com o que não saiu bem.

Messi tem uma grande oportunidade para aprender. Confio que ele vai tomar a falha como lição e que a derrota não vai significar ficar fora das coisas que empreende.

Sei que ele é um ser humano. Sei e entendo.

Mas penso desta forma. Ficar de fora não pode ser a resposta.

Fonte: Oscar Mangione. Referência da psicologia esportiva em Buenos Aires, cidade de destaque mundial entre os profissionais da mente. Atuou no Boca de 1989 a 1994 (mesmo sendo torcedor declarado do River, onde também trabalhou).