Tevez, quem diria, vira exemplo de paz e sensatez
Tales Torraga
A Argentina continua fervendo e contando os minutos – e as batidas muy aceleradas do coração – para o histórico Boca Juniors x River Plate das 21h10 (de Brasília) desta quarta (14) em Mendoza. Os dois gigantes do país vão se cruzar valendo um troféu oficial, a Supercopa Argentina, que põe em combate os campeões do Argentino (o Boca) e da Copa Argentina (o River). Que locura, che.
Quem leu o blog ontem soube que a Argentina está de joelhos, prostrada em meio a doses industriais de medo e comoção. O país mais que respira: transpira baldes por este jogo que pode desatar uma desgraça massiva. Juntos, Boca e River respondem por 70% da população de 44 milhões de argentinos que – salvo que provem o contrário – compõem o povo mais apaixonado e maluco do mundo quando o assunto é futebol.
E esta é só a segunda vez na história que Boca x River jogam por um troféu. A primeira foi em 1976. A próxima? Ninguém sabe.
E quem surge como um símbolo de paz no meio desta loucura toda é, acreditem, Carlitos Tevez, o mesmo que imitou a galinha em pleno Monumental e quase desatou uma batalha campal no superclássico da semifinal da Libertadores 2004.
Tevez é sim outra pessoa. Com 34 anos, dá gosto de escutar. Está mais maduro, como ele próprio se define depois da sua passagem pela China. Equilibrado e sensato, mas sem exagerar – sem ''pasarse de rosca'', como definem os argentinos.
Carlitos defende suas cores, claro, mas sem agredir ou provocar o rival. O momento não é de brincadeiras – e Tevez reconheceu isso muy bien.
Sem carregar nas tintas, deixou claro que este Boca não pode permitir que se repitam as decisões da Sul-Americana (2014) e da Libertadores (2015), quando deu River justamente por ter mais raça e por superar o Boca na atitude e na inteligência.
''O 'Esto es Boca' tem que ficar claro. É a nossa idiossincrasia.''
(Quanta verdade em tão poucas palavras!)
Carlitos acertou também ao pedir que o perdedor se la banque. Que saiba perder. Que pense nos que estão do lado de fora – e eles serão nada menos que 70% da população argentina que vai realmente chorar de alegria ou de tristeza, sem falar nos muitos e inevitáveis infartos.
Outro gol de Tevez: pedir para que os jogadores ajudem o árbitro, que não caiam na tentação de pressionar o juiz Patricio Loustau para tirar vantagem.
Carlitos, até agora, não é nota 10 (seu antigo número). É nota 32 (o atual). Brilhou até mesmo ao desconsiderar uma pergunta sobre o seu futuro na seleção. Adotou uma postura pacífica, porém firme, ao transmitir que ''este é um jogo para ficar na história, mas que o futebol não é uma guerra''.
O difícil vem agora, dentro de campo, onde esperam que ele seja líder e referente, e que deixe a vida metendo a perna, dividindo de cabeça, jogando e se controlando, provando que é realmente o exemplo não só deste pedaço de grama – mas também deste pedaço desta história – sinuosa, deliciosa… – que é o River x Boca.
(Impossível não terminar este post com a lembrança óbvia, mas muy oportuna, de ''Símbolo de paz''' de Charly García, o rei do rock argentino, que cantava assim em 1987 e que cantaria hoje para Carlitos Tevez na véspera desta quarta em que ninguém vai dormir neste país.)