Ódio e xenofobia mancham a decisão do River na Libertadores
Tales Torraga
Chegou a quinta (21) que Buenos Aires tanto grita e espera desde os 3×0 do Jorge Wilstermann sobre o River na semana passada. A partida de volta, às 19h15 (de Brasília) de hoje no Monumental de Núñez em chamas – mesmo com previsão de chuva – tem todos os condimentos para ser ''la jornada épica'' dos argentinos.
Em campo, a certeza é de muita raça e de uma equipe de rara qualidade neste River recém-formado que conta com dez jogadores de seleções (nove da equipe argentina e o lateral Moreira, do Paraguai). Do outro lado, os bolivianos do Wilstermann não vão encarar só uma ''selva de pernas'' em sua área.
Têm também a missão de lidar com o desgaste nervoso do jogo mais importante da história do clube fundado em 1949 e que jamais se viu nesta situação ganhadora.
E nas arquibancadas? O maior descontrole de massas dos últimos tempos.
A torcida do River teve a elogiável iniciativa de esgotar os ingressos apenas horas depois do início das vendas. A capacidade do Monumental de Núñez é de 61.688 lugares. Mas que ninguém se espante ao ligar a TV e ver até 80.000 fanáticos ensandecidos deixando a alma e garganta ao redor do gramado. Una cancha superlotada em decisões é algo tão argentino como a erva do mate.
Esqueçam a polícia, a organização, lo que sea.
A torcida vai e dá um jeito de entrar e coitado de quem impedir. Lembram o que a torcida do River fez com a PM no Morumbi em 2005? Se fazem isso com a polícia de outro país, imaginem em casa e em um jogo importante. Ya tá.
E é ao redor do gramado que se caracteriza também a face triste deste confronto. Há muita entrega também do negativo, como o ódio e a xenofobia.
O River é tido como um clube aristocrático na Argentina, embora abrace quase 35% da população do país. A nação do Boca, com 40%, é tratada quase sempre como de classe social inferior – por isso há o massivo e muy comum termo ''bostero boliviano''. Não só os do River: outras torcidas também ligam o Boca aos bolivianos que vivem na Argentina em situação de miséria.
Como o Jorge Wilstermann é da Bolívia, a associação – e a rixa – imediatamente se fortaleceu. Torcedores do River em Buenos Aires desde a semana passada não param de cantar a abominável música ''Que feo es ser bostero y boliviano / En una villa tiene que vivir / La hermana revolea la cartera / La vieja chupa p… por ahi / Bostero no lo pienses más / Andate a vivir a Bolivia / Toda tu familia está allá''.
É melhor nem traduzir.
O Monumental deve explodir neste cântico abjeto quando o Wilstermann entrar em campo. Pelo menos a absurda ideia das redes sociais – da ''chuva de fezes'' quando os bolivianos saírem do vestiário – teve rechaço dos próprios torcedores.
A hostilidade da torcida do River em particular – e de grande parte da sociedade argentina em geral – está motivando o revide boliviano.
Muitos torcedores do River que viajaram a Cochabamba na primeira partida foram agredidos e saqueados nos hotéis. Claro que não ficaria de graça: bolivianos simpatizantes do Wilstermann acabaram linchados em Buenos Aires ontem (20).
O próprio capitão do Wilstermann, antes de ir ao gramado no jogo de ida, foi filmado gritando aos companheiros muitos impropérios contra os argentinos: ''Me chupam as bolas los gauchos [gíria para argentinos] de merda que falam mal da gente, vamos entrar e vamos arrebentar o c. deles, somos melhores''.
Para deixar tudo ainda mais tenso neste triângulo odioso River-Bolívia-Boca, a ''soberania argentina'' dos malucos que defendem esta causa foi seriamente ferida com a ida da seleção para a Bombonera para o jogo contra o Peru no dia 5.
A torcida do Boca reagiu a esta mudança cantando sem parar no último domingo pelo Campeonato Argentino que ''somos Argentina e não somos galinhas'', em referência ao apelido do River não só pelas amareladas, mas também pelo esnobismo – versão portenha para os ''almofadinhas'' ou coxinhas'' no Brasil.
Se a loucura no Monumental for mesmo desbordante, que ninguém se espante se o juiz até parar o jogo – como já parou mais de uma vez por esses lados.