Patadas y Gambetas

O “Che” do Palmeiras: carrasco do São Paulo, rebelde e revolucionário

Tales Torraga

POR CELSO DE CAMPOS JR.*

A tradição italiana e o orgulho brasileiro convergiram para formar a identidade da Sociedade Esportiva Palmeiras, que há exatos 75 anos, em 20 de setembro de 1942, surgiu no Pacaembu para derrotar o São Paulo na final do Paulista – episódio que é reverenciado na história alviverde como a Arrancada Heroica.

Naquela batalha, porém, também o sangue argentino cerrou fileiras com a camisa palestrina. Filho ilustre da cidade de Olavarría, província de Buenos Aires, o atacante Juan Raúl Echevarrieta foi o carrasco responsável por colocar o último prego no caixão tricolor, anotando o terceiro gol na vitória do Verdão por 3×1.

Che nos braços do povo – Reprodução/Acervo pessoal

Esse tento, contudo, é apenas um dos capítulos da sensacional (e pouco conhecida) trajetória do “Che” palmeirense.

Rebelde, artilheiro e galã, não necessariamente nesta ordem, Echevarrieta, também apelidado “El Terrible”, teve uma carreira de conquistas, dentro e fora de campo.

No Gimnasia y Esgrima de La Plata, equipe em que despontou para o estrelato, o craque não venceu títulos, mas ajudou a escrever o nome de sua equipe no almanaque do futebol portenho com um ato absolutamente revolucionário, lembrado até hoje na Argentina.

Disputando palmo a palmo o título com os gigantes Boca e San Lorenzo em 1933, o pequeno Gimnasia foi sucessivamente vítima de arbitragens desonestas; no último episódio, deu o troco ao escancarar para todo país a manipulação dos clubes poderosos. Durante uma partida no Viejo Gasómetro, em que o juiz descaradamente favorecia o San Lorenzo, Echevarrieta e seus companheiros resolveram não mais participar daquela farsa e simplesmente sentaram-se no gramado para denunciar a operação – a primeira greve dentro de campo de que se teve notícia na Argentina.

Em 1939, o argentino chegou ao Parque Antarctica. Estreou com uma vitória contra o São Paulo, clube que se tornaria seu alvo preferencial: na final do Paulistão de 1940, marcou duas vezes na goleada por 4×1 contra o Tricolor.

Che em ação – Reprodução/Arquivo

Em apenas três temporadas, Che tornou-se o maior artilheiro estrangeiro da história do Palmeiras, com 113 gols em 127 jogos – números que o colocam também como o dono da melhor média entre todos os avantes palestrinos: 0,89 gol por partida.

O triunfo diante do São Paulo em 1942, contudo, seria sua última glória pelo clube. Por conta de desentendimentos com o treinador Armando Del Debbio, que não compactuava com sua agitada vida noturna, o já veterano Echevarrieta partiu para o Santos ainda no final do ano.

Na Vila Belmiro, Che seguiu metralhando as defesas adversárias, anotando 20 gols em 25 jogos, marca que o colocou, também, como o maior artilheiro estrangeiro santista durante quase oito décadas. Apenas neste ano de 2017 o argentino foi ultrapassado pelo colombiano Jonathan Copete – que, contudo, precisou de 66 jogos para superar o recorde.

Em meados de 1943, desentendimentos com a diretoria do Santos fizeram o indomável Echevarrieta trocar de ares novamente. Passou por Ypiranga e São Bento de Marília, onde encerrou a carreira profissional, no final dos anos 1940.

Bem vestido (e bem antes das parcerias com as empresas de roupas…) – Reprodução

Mais tarde, o craque ainda deixaria sua marca em Londrina, para onde se mudou para atuar por um time amador da cidade. Desta vez, porém, não pelos feitos esportivos: a dona de um dos bordéis de luxo da cidade se encantou por seus atributos extracampo e passou a tratá-lo como um príncipe. O affair foi fatal para sua família, que retornou a Marília e perdeu contato com o atacante por quase uma década, período em que o carteado lhe consumiu tudo que ganhara na carreira.

Juan Raúl Echevarrieta morreu em Florianópolis em novembro de 1987, aos 76 anos, já reconciliado com o filho, Luiz Carlos – para quem, no final da vida, finalmente abriu o coração. Ao herdeiro, Che confessou todos os acertos e erros de uma vida vivida ao extremo. Mas sem perder a ternura.

* Celso de Campos Jr., jornalista e autor do livro “1942 – O Palestra vai à guerra”, é um amigazo brasileiro brilhante também nas canchas argentinas. Gracias, Profe!

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''Rebelde, agitador y revolucionário'' é o nome de uma das melhores músicas dos Callejeros – grupo preferido de Jorge Sampaoli, que tatuou até suas letras.

Som (alto) na caixa – este merece, por Che e pela banda. ¡Que temazo, porfavor!