Patadas y Gambetas

O ídolo do Palmeiras que enfrentou os militares em plena ditadura argentina

Tales Torraga

Felipe Melo foi valente? Ou só inconsequente?

Na semana em que o pitbull palmeirense gerou debate no mundo todo, vamos lembrar de um ídolo do clube que teve uma atitude muito mais corajosa do que socar alguém. Estamos falando do atacante argentino Luis Artime – na opinião do blog, o melhor jogador estrangeiro da história do Palmeiras.

(Discordam? Quem foi? Arce? Rincón, Luis Villa, Valdivia?)

Artime chegou a São Paulo aos 29 anos, em 1968. Na Copa de 1966, foi um dos melhores atacantes do mundo ao fazer três dos quatro gols da campanha argentina.

Gols. Artime os fez no Palmeiras com uma frequência de Pelé. Foram absurdos 49 gols em 57 jogos pelo alviverde, uma impressionante média de 0,85 por partida. Em 1969, o artilheiro trocou São Paulo por Montevidéu e foi brilhar no Nacional.

A vida de Artime seguiu próspera pelo Rio da Prata. Em 1979, virou técnico do Atlanta, pequeno clube de Buenos Aires. Foi quando se revoltou com um costume tão frequente quanto desleal: o doping descarado daqueles tempos.

''Cheguei e as mesas do vestiário estavam cheias de seringas. Mandei tudo à merda e disse: 'aqui ninguém põe mais nada, até porque vocês se picaram o ano todo e não serviu para um c……'. E denunciei em entrevistas. Foi um grande escândalo. Não acontecia só no Atlanta, mas sim em todos os clubes. Jogamos um quadrangular e fomos rebaixados'', detalhou Artime à revista ''El Gráfico'' em 2014.

Luis Artime hoje / Foto: T Uruguai

Como a Argentina em 1979 era controlada por militares, Artime foi convocado pelo governo para prestar depoimentos. E justamente por uma das pessoas mais sanguinárias e nefastas daquele regime, o Almirante Carlos Lacoste – que, como revelado décadas depois, chegou a ameaçar de morte o goleiro Pato Fillol.

''O Lacoste me pediu gentilmente que eu não deveria fazer bagunça: 'Luis, melhor que não fale mais', me disse com tranquilidade, mas segui falando, não me calei. Não me assustei. Não pensava muito no que estava fazendo.''

Artime não lidou com os terrores da ditadura, mas foi afastado do futebol em questão de meses: ''Muitos dirigentes e jogadores ficaram bravos. Me processaram, e os atletas pediam para eu ficar quieto. Que eles não queriam ficar sujos, que eles não se drogavam, que tudo era para render melhor. Mas eu tinha medo de algum jogador morrer. E por algo a AFA adotou o exame antidoping a partir de 1980''.

O goleador palmeirense do passado virou persona non grata e foi expelido do futebol de seu país. Artime vive em Buenos Aires e tem 77 anos. Há dez, sofreu um AVC que até hoje compromete sua fala e o deixa com dificuldades de se expressar.

Os que o viram jogar têm outra dificuldade: descrever em palavras o que esse argentino fazia com a bola e com os goleiros de seu tempo.

Julio Meléndez, Luis Artime e Silvio Marzolini – Reprodução/El Gráfico