Amigo da ditadura e inimigo de Maradona: o Havelange que a Argentina lembra
Tales Torraga
A imprensa argentina manteve extremo respeito com João Havelange, importantíssimo personagem da história esportiva do país, morto nesta terça (16).
Foi com Havelange no comando da Fifa que o país organizou um Mundial (em 1978) e ganhou suas duas únicas Copas – além da de 1978, a de 1986, no México.
Mais que isso: era ele o dono da bola durante toda a carreira de Diego Armando Maradona, seu inimigo declarado. Foi da mão de João que partiu a Copa beijada por Maradona no Azteca em 1986 enquanto Havelange olhava para outro lado.
Antes das desavenças, Maradona e Havelange haviam trocado sorrisos e troféus no Mundial Juvenil de 1979. Diego, com 18. Havelange, presidente da Fifa fazia cinco.
Maradona e Havelange começaram a se estranhar em 1986. O craque se revoltou com os horários dos jogos – disputados sob o sol do meio dia na altitude do México – e ameaçou organizar até uma greve.
O estopim veio quatro anos depois.
Maradona, imediatamente depois de perder, se recusou a dar a mão a Havelange na Copa do Mundo de 1990, na Itália. El Diez o chamou publicamente de ''ladrão'' pelo pênalti que fez a Alemanha ganhar aquele Mundial sobre a Argentina.
Maradona continuou destinando pesadas farpas ao brasileiro, tratando-o como ''vendedor de armas'' – pelos seus negócios e os de sua família na Bélgica.
Daí em diante, a carreira de Maradona mergulhou nas punições e nas drogas.
Beirando os 80 anos, Havelange também não economizou na munição. Tratou Diego mais de uma vez como um ''intoxicado sem rumo e totalmente fora de si''.
Uma das versões recorrentes de Maradona para seu afastamento da Copa de 1994 por doping é que a Fifa usou sua popularidade para promover aquele Mundial nos Estados Unidos – país onde o futebol não era e continua não sendo famoso.
Depois de obter o que pretendia – inclusive invalidando o antidoping na repescagem daquelas Eliminatórias contra a pobre Austrália -, a Fifa lhe ''cortou as pernas'' para, com sua exclusão, abrir caminho para o Brasil conquistar o Mundial.
A Copa dos EUA foi a única vencida pelo Brasil com Havelange mandando na Fifa.
Os argentinos fazem questão de lembrar também que era Havelange o presidente da Fifa a ladear os passos de Jorge Rafael Videla, comandante da junta militar que matou milhares de pessoas enquanto a Copa do Mundo ocorria no país em 1978.
Durante muito tempo afirmou-se na Argentina que Havelange, em 1976, recebeu de Videla terras no campo para reafirmar seu apoio ao Mundial. Já se sabia de antemão que a bola iria rolar em meio ao banho de sangue da população portenha.
Havelange negou esta versão na década seguinte.
Em 2010, Videla começou sua prisão perpétua por crimes contra a humanidade.
Morreu numa cela em maio de 2013. Tinha 87 anos.