Patadas y Gambetas

‘Fui ameaçado de morte pela ditadura’, conta Fillol em livro

Tales Torraga

Ano de Copa do Mundo é uma festa para o argentino que gosta de ler sobre futebol. E um dos melhores lançamentos futboleros deste 2018 em Buenos Aires é ''El Pato'', a autobiografia de Ubaldo Fillol, o maior goleiro da história do país.

A obra tem 272 páginas, custa 389 pesos (cerca de R$ 65) e é comprada aqui.

Capa da autobiografia de Fillol – Planeta/Reprodução

O trecho mais interessante do livro é a briga de Fillol com o temido almirante Carlos Lacoste, um dos líderes da sanguinária ditadura argentina no fim da década de 1970. Lacoste era o militar responsável pela organização da Copa de 1978 e exercia muito poder no River Plate, clube que Fillol defendeu de 1973 a 1983.

Ambos tiveram uma discussão por dinheiro em janeiro de 1979. Lacoste entendia que Fillol ganhava muito e exigiu diminuir seu salário – fiel ao seu estilo, o goleiro ignorou a pressão. Em um amistoso da seleção naquele ano, em plena Buenos Aires, o almirante cumprimentou todos os jogadores, perfilados, depois do hino.

E Fillol não lhe estendeu a mão.

A pressão virou ameaça quando Lacoste chamou Fillol ao seu escritório privado. O goleiro, afinal, se recusava a assinar o contrato que reduzia o seu salário. Na presença de fuzileiros navais armados, Fillol ouviu: ''Se quer continuar jogando, é melhor aceitar o dinheiro que o River te oferece. Não vamos permitir que o conflito continue. Você é um mau exemplo, as greves estão proibidas neste país''.

Ubaldo saiu sem abrir a boca. E seguiu ganhando o que queria.

Fillol divulgando seu livro na TV argentina nesta sexta (6) – @ubaldofillol/Reprodução

A obra revela que o goleiro recebia constantes ameaças de morte vindas dos homens de Lacoste – o pai de Fillol, inclusive, foi espancado ao sair do trabalho. ''Naquele tempo eu ria, mas hoje eu sei que também poderia ter desaparecido.''

O restante do livro traça toda a carreira do Pato – que era chamado assim pelo tamanho dos pés 45. De infância carente em região rural a 100 quilômetros de Buenos Aires, o chico Fillol trabalhava amassando pão – foi quando começou a ''defender'' a massa e as rolhas de vinhos atiradas por colegas e clientes.

Aos 13, foi viver sozinho e ganhou o mundo. Brilhou no Quilmes, Racing, River, Argentinos Juniors, Flamengo, Atlético de Madri e Vélez Sarsfield. Defendeu a Argentina nas Copas de 1974, 1978 e 1982 – defenderia também em 1986, não fosse uma briga sua com o técnico Carlos Bilardo na frente de todo o elenco.

Seu livro é essencial não apenas para quem gosta de futebol, mas também a quem quer entender a loucura que era a Argentina na ditadura e na volta da democracia.