Por que os argentinos cantam nos estádios contra o presidente Macri?
Tales Torraga
Nem o 1 a 0 do Boca sobre o Banfield – com gol de Tevez – ou o 2 a 2 do River com o Godoy Cruz, com gol de Pratto. A notícia do esporte nesta segunda (19) em Buenos Aires é o coro das mais de 50.00 pessoas ontem no Monumental de Núñez contra Mauricio Macri, o presidente da Argentina. Nada novo. Só a repetição do que ocorreu há duas semanas no Nuevo Gasómetro, quando um 1 a 1 entre Boca e San Lorenzo desatou uma verdadeira loucura coletiva contra a AFA e contra Macri.
Como se vê na capa, a arbitragem errou demais contra o River, e a torcida deixou o estádio com uma ''raiva monumental'', como repetiam as rádios na maravilhosa noite portenha de calor e de ruas cheias de gente repetindo ''Mauricio Macri, la p. que te parió, Mauricio Macri, la p. que te parió''.
É algo inédito na história recente do futebol argentino, tão historicamente ligado às altas esferas da política. Nos governos Kirchner, era comum que aparecessem até bandeiras – pagas – de apoio aos presidentes, e agora o que se vê é uma fúria descontrolada que não parece arrefecer tão cedo.
A razão dos insultos a Macri é o complô pró-Boca que o blog citou logo depois do 1 a 1 do Xeneize contra o San Lorenzo. Os erros de arbitragem contra os concorrentes diretos do Boca e contra o River, como na última Libertadores, fizeram o técnico Marcelo Gallardo explodir de raiva neste domingo: ''Vieram para cagar na gente'', como não deixa dúvida a capa do ''Olé''.
Macri foi o mandatário do Boca entre 1995 e 2008, e é presidente da Argentina desde 2015. Com ele à frente, o Boca viveu a sua fase mais vencedora – e é claro que os triunfos em campo serviram demais para que ele ganhar também nas urnas. O Boca é o clube mais popular do país, representando cerca de 40% da população que hoje beira os 44 milhões de argentinos.
O que está gerando esta convulsão social é o fato de a nova AFA, eleita no ano passado, ter como presidente um histórico torcedor do Boca, caso de Chiqui Tapia, o hoje mandatário. Para deixar tudo ainda mais concentrado no azul e ouro, o vice de Tapia na associação é Daniel Angelici, atual presidente do Boca.
Como o futebol está respigando negativamente na popularidade de Macri, é bem capaz que ambos – Tapia e Angelici – venham a público dar explicações, algo que até agora não ocorreu de forma séria. Outra grande pergunta daqui para a frente é saber se haverá repressão policial contra os insultos dos portenhos ao presidente.
Em campo, o Campeonato Argentino já está definido, com o Boca nove pontos (40 a 31) à frente do Talleres, o surpreendente segundo colocado. Estamos na 16ª rodada de um total de 27. Fora das quatro linhas, há uma verdadeira guerra pelo poder. Ela está a ponto de explodir. E com consequências impossíveis de prever.