Psicologia e linguagem corporal explicam o ‘apagão’ de Messi
Tales Torraga
Capitão da Argentina, Lionel Messi não deu nenhuma entrevista depois da derrota de ontem para a Croácia. Algo ainda mais chamativo? Ele procurar cobrir o rosto das câmeras que o mostravam durante a execução do hino.
Contra o Equador, na partida em que fez três gols pelas Eliminatórias e classificou a Argentina ao Mundial, Messi também passou todo o hino olhando para o piso, mas esta foi a primeira vez que ele se tapou durante o momento que costuma ser o de maior emoção para um esportista argentino.
A linguagem corporal não deixa dúvida: o gesto de Messi foi decorrente de um pensamento negativo, e seu subconsciente ordenou que ele tapasse os olhos, como se não quisesse ver a negatividade projetada pela mente. O gesto indica também a tentativa de esconder a visão dos seus enganos e de tapar, claro, o seu rosto para que as pessoas não percebessem o que ele estava sentido.
Há diversas outras maneiras de mostrar o que Messi sentiu em campo em uma partida em que ele tocou menos vezes na bola (31 a 36) do que o goleiro Caballero – algo praticamente impossível de se acreditar em uma partida tão decisiva.
As mãos no cabelo demonstram frustração e impotência, seria um derivado do gesto da pessoa que golpeia a sua própria testa, como uma recriminação. As mãos escondendo o rosto e o gesto olhando para baixo são as maneiras já citadas de se esconder, além de demonstrar tristeza, vergonha e desconforto. E as mãos na cintura vistas durante a partida denotam que a pessoa já perdeu a paciência e que está muito brava.
Lionel Messi na seleção argentina é um caso claro de 'indivisão'.
A indivisão é caracterizada pela queda das habilidades no momento no qual se juntam extrema pressão psíquica e necessidade de eficiência na motricidade fina.
Um exemplo é o primeiro concerto de Chopin em Paris. Ele se bloqueou. Parou. Não conseguiu tocar. E ninguém dúvida da habilidade de Chopin em tocar piano.
Outra forma de explicar a motricidade fina sob pressão é esta:
Todos nós usamos normalmente a chave. Mas se formos ameaçados por alguém armado dizendo 'Ponha de primeira ou te mato', trememos e não conseguimos.
Foi descrita por Freud em 1918 como a 'linha que vai da angústia à indivisão'.
Não há relação entre capacidade da pessoa e indivisão. Qualquer pessoa com extrema capacidade de fazer algo a vive.
Não tem a ver com a capacidade. É uma conduta humana em não responder com a plenitude das habilidades quando se está sob pressão muito grande.
É nítido que Messi carrega um peso excessivo de responsabilidade.
Ele é o capitão, o melhor do mundo, de quem todos esperam. Mas é um ser humano.
Maradona errou cinco pênaltis seguidos nos anos 90 quando jogava no Boca.
Messi é um jogador de muito prestigio perante os colegas pela eficiência técnica, mas sem personalidade de liderança. Não é um líder. Líder é a pessoa com voz de mando, que verte emoções, que geralmente se encarrega da parte anímica do resto.
Líderes são Passarella, Ruggeri, Mascherano.
Pedimos demais a Messi. Que ele desparrame sua técnica, que se encarregue do anímico, que seja capitão, que cobre o pênalti…
E ninguém aguenta isso.
Por trás do ídolo tão identificado há o humano que sente angústia e executa mal.
Os jogadores hoje são muito treinados para isso. Messi está treinado para isso.
Mas ele vem de um clube onde não precisa demonstrar nada. Vem de um crédito ilimitado no Barcelona. Lá ele tem espaço para errar e não acontecer nada demais.
Ele parece precisar revalidar suas condições na Argentina. Messi não é acostumado a isso, e sim a entrar em campo tranquilo e fluído por não precisar provar nada.
Na Argentina, por distintas considerações, por não ter crescido aqui, se sente obrigado a fazer coisas que não aguenta.
Os condutores do grupo não manejam este tema com precisão.
De onde vem a pressão que a sociedade impõe ao jogador? A pessoa destacada gera identificação, a sociedade quer de alguma maneira ser como esta pessoa.
Em qualquer sociedade, não só a argentina.
Pensamos numa criança: 'Quero jogar como Messi, quero ser famoso como este, inteligente como aquele'.
O que não se permite nesta questão de idealização, e isso passa por uma questão de educação, é que o erro e o não ganhar sempre fazem parte do ser humano.
Um ideal é um ideal, uma parte humana é uma parte humana.
Os humanos falham. A estrutura do humano é a falha, a falta.
Isso é o que nos faz desejar. Isso é o que nos faz particularmente humanos.
Quando alguém se identifica com algo, se identifica com algo completo, que usualmente não poderia falhar nunca, que nunca teria defeito ou problema.
Isto não é do campo humano. É simplesmente um campo identificatório.
Quando a torcida diz: 'Perdemos sete finais', não pensa: 'Chegamos a sete finais'.
É muito difícil chegar a sete finais.
Mandar embora os jogadores e o técnico gera uma hipótese um pouco perigosa.
O que se fala na Argentina desde antes desta Copa do Mundo é que ela teria que ser vencida, que a seleção não poderia perder, que ela não poderia escapar.
E na realidade isso não é verdade.
Quando não se toma a realidade com todos seus aspectos, caímos em situações como esta, de extrema frustração.
É uma situação ridícula perder e querer que todo mundo saia.
Messi precisa se recapacitar, e ele está em um enorme lugar para crescer.
Ele é tão bom jogando futebol, e se há algo com o qual aprende um ser humano, é com suas falhas.
Fonte: Oscar Mangione. Referência da psicologia esportiva em Buenos Aires, cidade de destaque mundial entre os profissionais da mente. Atuou no Boca de 1989 a 1994 (mesmo sendo torcedor declarado do River, onde também trabalhou).