Argentina briga entre si antes mesmo de começar a treinar para a Copa
Tales Torraga
É tão comum quanto o azul e branco da camisa. Se não houver farpa e desavença interna, não é a Argentina na preparação para uma Copa do Mundo.
A dificuldade crônica de se armar um ambiente produtivo de trabalho – dentro e fora da lista dos convocados – é mesmo um traço extremamente comum na história da Argentina nos Mundiais. Mas o curioso da situação de agora é que as primeiras munições acabaram sendo trocadas antes mesmo de a equipe se juntar de vez e arrancar a sua preparação para a Copa, o que vai acontecer na próxima segunda (21) no CT da AFA em Ezeiza, pertinho do Aeroporto Internacional de Buenos Aires.
O tema que elevou a temperatura interna da equipe foi a joelhada nas costas que o atacante Papu Gómez, da Atalanta, acertou em Lucas Biglia, volante do Milan. Válido pela penúltima rodada do italiano, o Atalanta x Milan foi dos mais ásperos, com nove amarelados e dois expulsos no último domingo. Biglia havia fraturado duas vértebras há menos de um mês, e a imprudência de Gómez gerou muitas críticas argentinas por sua suposta má-fé. Apesar da violência do golpe, Biglia não sofreu maiores problemas e é peça certa no grupo de Sampaoli para o Mundial.
Papu, por sua vez, não foi chamado para a Rússia. Ele disputou quatro jogos pela seleção de Sampaoli, atuando inclusive nos 90 minutos do 0x0 contra o Peru na Bombonera. No melhor estilo ''menino de colégio que te pega na saída'', Kun Agüero detonou Gómez: ''Se levo uma joelhada daquelas, fico muito irritado e o espero no túnel do vestiário para falar de tudo para ele'', comentou, sobre o colega. ''Iria perguntar se foi com má intenção ou não. Iria apertá-lo para me esclarecer.''
Na seleção argentina, como reforça hoje o ''Clarín'', há realmente uma ''mesa chica'' que influencia em tudo o que ocorre na equipe, e ela é formada por Agüero, Messi, Mascherano, Di María, Romero, Higuaín e o avariado Biglia. São os medalhões que Sampaoli precisa pensar mil vezes antes de contrariar até mesmo em detalhes.
Gómez, claro, não assimilou calado o discurso de Agüero: ''Me parece uma idiotice enorme que se fale desta jogada com tantos temas que têm a AFA e a seleção. Conheço o Kun faz tempo. Não posso responder o que ele disse. Não vale a pena''.
(Coleguismo, camaradagem, boa sorte na Copa? Olvídate. Pode esquecer.)
''Estou muito mal pelo que aconteceu com Biglia. Agora qualquer um me chama de maldoso. Escutei barbaridades.''
Outra barbaridade é a interna entre a AFA e o River Plate.
Histórica casa da seleção, o gigante de Núñez ainda não tolera ter sido preterido em favor da Bombonera, que organizou o confronto contra o Peru pelas Eliminatórias e vai receber agora um amistoso contra o Haiti, no próximo dia 29.
Segundo o ''Clarín'', há uma guerra fria entre as duas partes.
Para amenizar o clima ruim, a AFA cogitou um treino aberto da seleção no Monumental no dia 27, mas o clube afirmou que faria uma manutenção em seu gramado na véspera (!), se recusando a servir de palco para uma AFA que optou então pelo estádio do Vélez. O River nos bastidores é bem firme em sua postura: o Monumental é sede de jogos, não de treinos. Cai mal no clube também que o atual presidente da AFA, Chiqui Tapia, seja um torcedor tão assumido do Boca Juniors.
Em março, na decisão da última Supercopa Argentina, quando o River foi campeão em cima do Boca, os jogadores vestindo vermelho e branco subiram ao pódio aos palavrões e cantando todos juntos ''Chiqui Tapia Botón / Chiqui Tapia Botón / Vos sos hincha de Boca / La puta madre que te parió''. Botón é uma gíria equivalente a ''cagueta''. O restante não precisa de maiores traduções ou explicações.
O que é realmente necessário para Sampaoli e companhia é uma dose cavalar de paciência (e outra de maturidade) para superar as picuinhas e os desgastes que já começaram e não vão terminar até o fim da participação azul e branca na Rússia.