Medo de tragédia ronda o Boca x River mais tenso da história
Tales Torraga
A Argentina está mentalmente paralisada. De agora até quinta, todo o país está consumido por uma vigília enlouquecedora e pelo risco de desgraças às 21h10 (de Brasília) desta quarta (14), quando os dois maiores clubes do país, Boca Juniors e River Plate, se encontram para definir um título. A taça em questão é a Supercopa Argentina, colocada em disputa em Mendoza, a 1.200 quilômetros de Buenos Aires.
O jogo será no Estádio Malvinas Argentinas, com 40.268 pessoas e 50% dos ingressos para cada torcida. Vale lembrar que o superclássico em Buenos Aires não conta desde 2013 com sequer uma minúscula parte do público visitante.
É apenas a segunda vez na história que Boca e River se cruzam por um título – o primeiro foi em 1976, com o Boca faturando o Argentino. A Supercopa da vez será o duelo entre os atuais campeões do Argentino (Boca) e da Copa Argentina (River).
Juntas, as torcidas de Boca e River correspondem por cerca de 70% da população de 44 milhões de argentinos, e há uma séria preocupação por conflitos em todo o país naquele que já tem sido chamado de ''o superclássico mais tenso da história''.
Não é para menos. O ódio mútuo entre Boca e River ganhou um ar extremo que afoga a Argentina em uma dicotomia extremamente longe de ser saudável. Contribuem para isso: 1) O ataque com o gás pimenta aos jogadores do River na Bombonera, pela Libertadores de três anos atrás; 2) Os seguidos confrontos entre as equipes na Sul-Americana (2014) e Libertadores (2015), ambos vencidos pelo River e 3) A desconfiança instalada pelos dirigentes de que o presidente da Argentina, Mauricio Macri, ex-mandatário do Boca, manipula os resultados para criar um clima propício para a sua reeleição, no próximo ano.
A própria organização desta Supercopa correu risco até as últimas semanas, com a ameaça de cancelamento justamente porque há um grande temor de um banho de sangue. Não é exagero. O clima de guerra está instalado. E é evidente que não há uma guerra sem mortos ou feridos.
Enorme parte da torcida do Boca aquece as gargantas para esta decisão com o nefasto cântico ''Quiero jugar contra River y matarles el tercero'', em referência ao assassinato de dois torcedores do River em um clássico na Bombonera em 1994.
A torcida do River, claro, empata nos gritos de guerra. Só se escuta ''Vamos a pegarle a Boca hasta que muera'' ou ''Quiero la Libertadores, y un bostero matar''.
A loucura obrigou o governo federal a entrar na parada e destacar um operativo policial recorde – o número total do efetivo ainda não foi divulgado. As duas torcidas vão percorrer cerca de 1.200 quilômetros por via terrestre, sendo praticamente impossível que os encontros não ocorram no caminho. É esta a distância entre Buenos Aires e Mendoza, e a partida desta quarta (14) vai mobilizar um pelotão de profissionais de seis localidades. Começa na capital e na província de Buenos Aires, para depois se espalhar por Santa Fé, Córdoba, San Luis e Mendoza.
Em campo, Boca e River prometem entrega máxima. ''Se um dos dois estiver ganhando, é capaz que o jogo não termine'', disse Carlitos Tevez na semana passada, alertando para o risco de confusões. ''A noite do gás pimenta só não acabou em tragédia por muito pouco. Todos precisam estar conscientes nesta quarta'', reforçou Fernando Cavenaghi, ex-jogador do River, presente àquela barbaridade na Bombonera. ''Só por milagre não vivemos um novo Cromañon [tragédia em uma casa portenha de shows em 2004, similar à da Boate Kiss].''
As diretorias de Boca e River deixaram de apimentar o duelo e passaram a trocar gentilezas. Tanto é assim que vão jantar juntos na véspera da partida – algo que não costuma acontecer. Está previsto também um amistoso entre veteranos.
Tudo para fazer o futebol respirar um pouco em meio a este clima preocupante.