Opinião: Higuaín começa a virar o ‘São Pipita’
Tales Torraga
Os brasileiros são mesmo privilegiados – foram, afinal, as testemunhas do surgimento de um Gonzalo Higuaín de apenas 19 anos, reserva do River Plate de Daniel Passarella, despachando o Corinthians da MSI de uma Libertadores e desatando um dos maiores quebra-quebras da história de São Paulo.
Era 2006, e aqueles gols de Higuaín no Pacaembu imediatamente o levaram ao Real Madrid, onde ficou simplesmente por sete temporadas – de 2006 a 2013.
A vida se explica demais em sete anos – a ''teoria dos setênios'' da antroposofia – mas o futebol é sempre definido em sete centímetros ou sete segundos. Higuaín jamais imaginou que numa final de Copa do Mundo (e no Maracanã tão amado pelos argentinos) ele ficaria mano a mano com Neuer: errou feio.
Nesse mesmo jogo, anularam um gol seu por impedimento (minúsculo) e deixaram de marcar um pênalti escandaloso que fez até Cristina Kirchner, então presidente argentina, ver de perto a sua cara depois da joelhada largada pelo mesmo Neuer.
(Ninguém por esses lados lembra, por exemplo, que o último gol da Argentina no Mundial 2014 foi do próprio Higuaín, contra a Bélgica, e que tanto contra Holanda como contra a Alemanha ninguém, não só ele, também não fez nada.)
Os estigmas são o segundo esporte argentino, atrás apenas do futebol. Depois que te pregam um cartaz, ninguém tira. Ainda mais se você tem nível suficiente para jogar mais duas finais com a seleção, errando gols nas duas, virando a cruz argentina, a madeira mais pesada do mundo – somos assim, vivemos assim.
Talvez por isso Higuaín tenha superado tão tranquilamente a pressão e desconfiança que recebia também na Juventus – especialmente depois de errar o pênalti no jogo de ida contra o Tottenham (jogo em que fez os dois gols do 2 a 2!).
Ontem, em um par de minutos, Pipita mostrou por que está na elite há mais de uma década. É preciso mesmo ser um caso clássico de esquizofrenia em se achar ''o'' certo, considerando que errados são os do Real Madrid, que o mantiveram por sete anos, ou os do Napoli, ou os da Juve, que gastaram 90 milhões de euros por ele.
Errados estão Diego Maradona, Sergio Batista, Alejandro Sabella, Tata Martino, Patón Bauza e Jorge Sampaoli, técnicos que o chamam à seleção desde 2009.
Entre os argentinos, por mais gols que faça na Europa, Higuaín sempre vai ''estar de recuperação''. Vai precisar sempre de uma nota final. Afinal, até Messi passa por isso, como já passaram Ginóbili e Del Potro.
Mente fria e fogo sagrado, Gonzalo. Repita na Rússia o que fez em Wembley. Venha. Vení. Do fracasso à glória. Nada mais argentino. Te esperamos, 'São Pipita' querido. Ou gritamos os gols ou gritamos de fúria. Você sabe. Quédate tranquilo.
(A quem não captar a ironia, favor ouvir Darwin Desbocatti ou Alejandro Dolina.)