Neymar é um símbolo da justiça capitalista, analisa Jorge Valdano
Tales Torraga
Atacante titular da Argentina campeã da Copa do Mundo de 1986, Jorge Valdano talvez seja o jogador mais inteligente de todos os tempos. Erudito e eloquente ao analisar qualquer assunto, ele é chamado em Buenos Aires de ''El Filósofo'' – e quem convive com os portenhos sabe perfeitamente o quanto custa a alguém ser reconhecido pelos seus pares de maneira tão elogiosa.
Hoje com 62 anos e vivendo em Madri, onde trabalha como importante comentarista da TV BeIN Sports, Valdano deu, ao jornal argentino ''Pagina 12'', interessantes definições sobre as cifras que o futebol movimenta hoje em dia. Para ele, o projeto Neymar-PSG passa por fatores que não são abalados em nada por resultados como o 3 a 1 do Real sobre o time francês na última quarta (14) no Bernabéu.
Na semana em que muito se falou de mimos, individualismos e valores humanos, o inigualável El Filósofo Valdano nos ajuda a ler Neymar de maneira mais ampla.
Algumas de suas opiniões:
''É curioso que provoque muito mais indignação o valor de um jogador de futebol do que o de um ator de Hollywood. Isso ocorre porque o futebol é um fenômeno para o povo, e porque ele sempre foi subestimado a nível cultural. Sempre está instalada aquela história de que 'um jogador vale 200 milhões de euros, mas um cientista não tem recursos para investigar isso ou aquilo'. Ao capitalismo, ou lhe aceitamos tudo ou buscamos outra ideologia que o suplante. O que ocorre com Neymar, com Cristiano Ronaldo ou com Messi não é nada mais do que a estrita justiça capitalista. São jogadores que produzem muitíssimo e que, por isso, ganham muitíssimo.''
''O futebol segue tendo a fragilidade de estar sempre submetido ao valor de uma bola [Sobre os resultados em campo]. Mas hoje há muito mais dinheiro que talento. Isso produz uma inflação evidente. Os grandes empresários já entenderam que esse é um jogo de heróis, e que nos tempos de hoje um jogador extraordinário vale mais que um bom jogo ou um bom resultado. Essa é uma das aberrações decorrentes do negócio. Quando se contrata um jogador de futebol, se contrata também alguém para o respectivo departamento de marketing produzir benefícios coerentes com o preço. E não é só vendendo camisetas que se recupera isso. É também com contratos de televisão, com a marca que veste a equipe e com a quantidade de empresas que querem se associar à instituição. No fim, esses grandes personagens te devolvem o preço.''
''A sensação é que o dinheiro ocupa um lugar cada vez maior. E ele representa os benefícios e as taras da globalização. Entre os benefícios, podemos encontrar que o futebol se universalizou mais que nunca. Antes, o negócio se definia no estádio, e agora é gerenciado desde canais infinitos que aproximam o apaixonado do mundo todo a torcer por times de cidades que nunca visitaram. E a parte ruim é a lei do galinheiro que sempre definiu o capitalismo mais feroz: a galinha de cima caga na de baixo. Os maiores estão cada vez maiores. E os menores, cada vez menores.''
''É impossível deixar de acompanhar o futebol. Por muito que a gente crie um refúgio, o futebol é um fenômeno que ocupa um espaço cada vez maior nos dias atuais. Na mídia, nas pessoas, em todos os lados. Vemos jogos permanentemente. Da minha parte, não preciso buscar nada em outro lugar, porque me adaptei à nova situação. As coisas que gosto, defendo. As que não gosto, as critico.''