O dia em que Passarella foi esfaqueado por um torcedor
Tales Torraga
Sempre explosivo, Daniel Passarella estava ainda mais nervoso. Então técnico do River Plate, acabara de brigar com outro notório esquentado, o goleiro Comizzo, antes do último treino da pré-temporada de 1993. A noite de sexta era muy tranquila – ao contrário da tarde. Apenas Passarella e quatro colaboradores conversavam no hall do Hotel El Mirador, em Mar Chiquita, na província de Buenos Aires. Ninguém acreditou quando uma caminhonete Dodge azul chegou em alta velocidade.
Faz exatos 25 anos. E quem viveu a Argentina daqueles tempos não esquece.
Dois homens deixaram o veículo falando alto e rápido. Aparentavam descontrole. Estavam bêbados ou drogados. Ou ambos. Um dos homens partiu para cima de Passarella com uma faca, gritando ''Ponha Comizzo, seu f…. da p….''.
Houve uma luta de uns cinco minutos. Passarella conseguiu acertar um soco na cara do agressor, mas foi também golpeado e teve a orelha esquerda e a bochecha atingidas pela faca. Alguns relatos dão conta de era não era uma faca, e sim uma navalha. Mero detalhe diante da brutalidade assombrosa que chocou uma Argentina sempre acostumada a colecionar bizarrices em seu futebol.
Passarella foi atacado por um torcedor chamado de “Sandokan”, cujo nome verdadeiro era Miguel Alejandro Cano. Sandokan e Daniel já haviam tido um encontro violento em 1991, quando Passarella, começando como treinador, o expulsou a socos da concentração do River para parar de pedir dinheiro.
Era o começo da expansão dos negócios dos barras bravas, como são chamadas as torcidas organizadas na Argentina.
A briga e as facadas em Passarella – capitão da seleção campeã da Copa do Mundo de 1978 – alcançaram repercussão nacional naquele fim de semana mesmo. A polícia prendeu Sandokan e o manteve na cadeia por oito meses, embora ele tenha sido condenado a 180 dias de prisão. Quando ele ganhou a liberdade, Passarella já era pedido como técnico da seleção – era a ressaca da derrota argentina para a Colômbia por 5 a 0 em pleno Monumental de Núñez.
Passarella virou técnico da seleção no ano seguinte – 1994 – e passou a dar entrevistas frequentes sobre este caso e sobre o perigo que representava a escalada dos barra bravas na Argentina. Não pôde fazer nada, porém, contra a AFA, que começava, em 1998, na França, a bancar a viagem dos violentos para as Copas, tema que segue vigente no país com a proximidade do Mundial da Rússia.
Ah sim: Passarella até hoje está ameaçado de ser preso por revender ingressos para a ….barra brava do River quando era presidente do clube, entre 2009 e 2013.