Patadas y Gambetas

Maradona fez ‘Gol do Século’ machucado, revela médico

Tales Torraga

O futebol exuberante de Diego Armando Maradona na Copa de 1986 sempre ofuscou um detalhe pouco citado fora da Argentina. Maradona foi caçado naquele Mundial como poucos outros jogadores na história. Levou patadas destruidoras desde a estreia, contra a Coreia do Sul, até o jogo decisivo, contra a Alemanha.

Clássica patada coreana em Maradona em 1986 – El Gráfico/Reprodução

Maradona encarou marcações fisicamente muy duras contra a Itália, na primeira fase, e contra o Uruguai, nas oitavas – empate por 1 a 1 na primeira e vitória por 1 a 0 na segunda. As muitas pancadas minaram seu físico, e ele chegou em frangalhos às quartas de final contra a Inglaterra, partida que transbordava ódio pela Guerra das Malvinas, terminada em 1982 com 649 argentinos mortos pelo batalhão inglês.

Maradona jogou no sacrifício, com as costas arrebentadas, e mesmo assim destruiu a Inglaterra naquela que é a mais emblemática atuação do futebol argentino em todos os tempos. Diego fez um gol de mão e, instantes depois, marcou o ''Gol do Século'', arrancando do seu próprio campo, enfileirando ingleses atrás de si e concretizando o golazo que os argentinos dizem até hoje ''ter valido por dois'', compensando o lance ilegal com a mão que ocorrera exatos quatro minutos antes.

Quem dá detalhes sobre a precária condição física de Maradona para aquela partida é Raúl Madero, o então médico da seleção argentina. ''Estava péssimo, cheio de dores, com dificuldades no corpo todo. Tanto foi assim que colocamos o meu quarto na concentração ao lado do dele, tamanha era sua dificuldade. Sacrifício era pouco. Diego sempre dizia que pela seleção jogaria até com uma perna só. Poucos foram valentes como ele'', comentou Raúl à revista ''El Gráfico''.

''Ele tinha sérios problemas nas costas, passamos a noite toda tratando para que suas condições fossem as menores piores possíveis. Na manhã da partida, lhe dei uma injeção com analgésicos e disse: 'Diego, sonhei que a Argentina vai ganhar e você vai fazer dois gols'.  E ele me respondeu falando que havia sonhado o mesmo. Foi por isso que tão logo o jogo terminou, ele veio correndo me abraçar, me agradecendo pelas injeções, e comentando nosso sonho.''

Raúl Madero abraça Maradona no épico Argentina x Inglaterra – Arquivo pessoal

(A foto acima está na sala da casa de Madero até hoje.)

O médico era a única pessoa com entrada permitida no quarto de Maradona naquele Mundial. E ele intuiu o título muito antes da final contra a Alemanha.

''Estávamos de folga, na primeira fase, e todos haviam saído. Fiquei sozinho na concentração, sem barulho, descansando. Pouco depois, batem na porta no meu quarto. Era Diego, sozinho. Perguntei para ele o que havia acontecido, por que ele não tinha saído. E ele me respondeu: 'Eu poderia estar com uma mulher linda ou tomando o que quisesse, mas eu quero ser campeão do mundo'. Ali percebi que ninguém iria roubar a bola dele e que a Argentina ganharia aquela Copa.''

Testemunhos do blog:

1) Três jogadores que estavam naquele vestiário contam que Maradona passou todo o intervalo contra a Inglaterra de bruços, recebendo massagens nas costas. Só levantou, possuído, quando o zagueiro Tata Brown começou a destruir a parede com a chuteira, dizendo que era aquilo que ele faria com os ingleses. Estava 0x0.

2) Jorge Valdano, há cinco anos, nos disse algo inesquecível: ''Sempre falam que o gol de Maradona só sairia contra a Inglaterra, que seria impossível ele fazer um gol assim contra Uruguai ou Brasil, que o partiriam no meio. A verdade é que os ingleses tentaram de tudo para pará-lo com falta, mas não conseguiram''.

3) Os maradonianos mais empedernidos de Buenos Aires usam, claro, as patadas recebidas por Diego para colocá-lo acima de Pelé. Dizem sempre que Maradona jamais deixou um Mundial carregado como o brasileiro, em 1962 e 1966. E citam a coragem de Diego contra o Brasil em 1990, quando superou as pancadas e acabou com o jogo mesmo com o tornozelo inchado como uma laranja.

Patada voladora de um jogador de Camarões em Maradona em 1990 – Infobae/Acervo

E uma pensata:

É claro que tudo sempre tem mais de uma razão e que tudo é um fluxo incessante. Mas o vício na cocaína não foi também uma forma de Maradona escapar das dores decorrentes das botinadas que levou a vida toda, dos potreros argentinos ao futebol bélico que se jogava naqueles tempos na Espanha, na Itália e nos Mundiais?

Ah sim: Maradona começou a cheirar cocaína em 1984, jogando no Barcelona – justamente quando recuperava o tornozelo quebrado por Goikoetxea meses antes.