Análise: Só a arrogância explica a fila de 25 anos da Argentina
Tales Torraga
Estamos a cinco meses da Copa do Mundo, e os pensamentos sobre futebol sufocam o verão de Buenos Aires ainda mais. A Argentina completa, neste 2018, exatos 25 anos sem conquistar um título. Convém olhar para si.
Sobram pessoas indignadas e dispostas a tudo para finalmente acabar com esta fila, para a Argentina ganhar todos os campeonatos – como se isso fosse um direito próprio, um mérito indiscutido, como se cada adiamento deste direito acontecesse meramente pela maldade de alguns jogadores, alguns dirigentes e alguns técnicos.
Como se outro país superar a Argentina em algo não fosse uma possibilidade real.
As soluções propostas assustam muito. A qualidade de pensamento que domina a Argentina é de chorar de pena. Sempre tem que ser drástico, sempre tem vingança e ódio, sempre tem uma mente débil, sempre tem uma assustadora arrogância.
Que a Argentina perca é uma das possibilidades – uma possibilidade mais que visível hoje, cinco meses antes do Mundial.
Que jogador hoje está fora da seleção e é tão superior assim?
E é uma superioridade que só se vê agora, porque o campeonato se desenvolve, as vitórias vêm, e todos viram gênios.
A Argentina é uma das melhores equipes do mundo. Uma das cinco, seis ou dez melhores. E quando enfrenta times que não estão entre os melhores, ganha sempre. Quando cruza com alguns dos melhores, às vezes ganha, às vezes perde. Isso é previsível. É muito mais fácil ganhar do Panamá que do Brasil.
''É preciso convocar só os jogadores que atuam aqui, na Argentina'', me dizem, e questiono ''São tão melhores? Os que jogam na Europa jogam todos os domingos contra o Cristiano Ronaldo, e os daqui não têm esta possibilidade de choque, e tampouco se vê muitos gênios por aqui''.
Querem jogadores que tenham fome! O que é isso, um ''jogador com fome''?
De fome, de fato, a Argentina vai bem.
Em vez de matar verbalmente, a hora é de dar paz aos jogadores. Chega de ofensas. Chega desta estupidez de achar que a Argentina é invencível.
O futebol é um esporte de falhas. Todos os jogos são. Se você é um guarda de trânsito e comete um erro, é capaz que te demitam. Sua função não permite o erro. Mas no futebol você comete erros e erros. O problema é você errar e precisa lidar com uma multidão gritando ''este não tem que jogar mais!'', só porque errou um pênalti, errou um gol, porque fez um gol contra.
Não se pode expulsar um jogador da seleção só porque a torcida não gosta como ele joga ou só porque ele cometeu um erro. Não. O futebol não é isso.
Isso deveria ser muito simples de entender. Perder precisa ser uma possibilidade a se observar sempre. O que fazemos se perdemos? Expulsamos todos?
Alguém tem que ser responsável!? Por quê? Perdemos, por que só um tem que ser responsável se todos jogaram o melhor que puderam?
O que faço? Perdemos e me entrego à delegacia?
Não é assim. A vida não é assim, a menos que você tenha seis anos.
O mundo não funciona assim.
Não pode ser também que as crianças de seis anos, ou aqueles que pensam como elas, sejam os mentores ideológicos da sociedade. Está mais do que na cara que a Argentina tem muita chance de perder. E o que ocorre? Todos propõem monumentos a todos os titulares e reservas, para depois pedir a cabeça de todos.
Com que cara alguém tem coragem de pedir alguma coisa a Messi, se não a sua família e os seus amigos? Ninguém tem direito a pedir nada a ele.
Deem ao futebol o valor que ele tem. É um valor muito alto, muito lindo, é um jogo maravilhoso. Mas de nenhum modo pode ser a obsessão apaixonada de gente que está mal da cabeça.
E depois ficam todos consternados – olhem um pouco para o mundo para saber o que é uma tragédia.
Perdemos. O que vamos fazer? Chorar? Ficar bravo por que o filho está chorando?
Vai ver o que você anda pensando e metendo na cabeça dele. Só isso.
* Com o inigualável Alejandro Dolina, de Buenos Aires