Pratto faz gol de placa ao ser um pai presente
Tales Torraga
E Lucas Pratto chegou ao River Plate. A transferência já vinha ''picando'', como dizem os argentinos, desde novembro, quando tocamos no assunto pela primeira vez. Mas o que chamou a atenção de todos os portenhos – brasileiros também, supomos – foi a sinceridade do jogador ao se despedir do San Pablo.
''Faço isso para ficar mais perto da minha filha. Não faço isso pelo dinheiro ou para ficar mais perto da seleção. Minha filha tem sete anos e quero ser um pai presente. Cresci sem a figura paterna. Não quero que minha filha passe pelo mesmo.''
Mais claro, impossível.
Pratto nunca foi um jogador alienado. Sempre deu para perceber, desde sua chegada ao Atlético-MG, que sua cabeça não se resumia só a treinos, gols e jogos.
Moldar a carreira às necessidades da filha, a pequena Pia, é um digno gol de placa.
É claro que a filha poderia vir a São Paulo e seguir sua vida aqui, mas apenas os que desconhecem os argentinos cogitariam isso. Por uma razão simples e cortante como a fala de Pratto: as raízes argentinas são muito mais fortes que as normais.
E isso é uma qualidade? Ou um defeito neste mundo cada vez mais globalizado?
Que cada um tenha a sua resposta – e urge que os clubes brasileiros encontrem a sua antes de despejar milhões em contratações que duram pouco e terminam mal.
(Não é o caso de Pratto, registre-se.)
Um pai tipicamente argentino veste o uniforme do provedor – dá atenção e carinho, encurta as distâncias e oferece tudo aquilo que ele, Pratto, não pôde ter. Embalar a pequena Pia e carregá-la pelo mundo, forçando sua adaptação, não seria, jamais, um raciocínio genuinamente argento – e Lucas, como já falamos, já demonstrou mais de uma vez que é um tipo pensante, não um mero chutador de bolas.
En las buenas y en las malas mucho más, así somos.
Que não tome-se o discurso de Pratto como ''tribunero''. Ninguém joga para a torcida colocando a família no meio por esses lados. Lucas faz aquilo que os argentinos em geral fazem – e tal comportamento não é comum fora da Argentina.
Não é comum, por exemplo, Riquelme abandonar a seleção argentina e deixar de disputar uma Copa do Mundo porque ''sua mãe sofria'' ao vê-lo na seleção. Não é comum, também, que um técnico promissor como o ex-zagueiro Nelson Vivas, que vinha fazendo ótimo trabalho no Estudiantes, recuse proposta do Chile e largue o futebol porque sua filha que nove anos assim lhe pediu na semana passada.
Não é comum ouvir alguém jurando ''por Dalma e por Giannina'' – filhas de Maradona, aquelas que El Diez citou assim que foi cortado da Copa de 1994 dizendo que não havia cheirado cocaína na preparação para aquele Mundial.
Em vez de alguém ''jurar pela mãe'', como é comum no Brasil, na Argentina jura-se também por ''Dalma e por Giannina''.
Estão aí as Madres e as Abuelas de Mayo para lembrar sempre o quão sofrida é a relação familiar argentina. Pratto passou por isso em sua própria casa. Seu pai abandonou o lar e construiu outra família quando o jogador tinha ainda um ano. Lucas nasceu em 1988, quando a Argentina ainda engatinhava depois de uma ditadura das mais sangrentas e que segue contando desaparecidos em pleno 2018.
Que Pratto tenha sucesso – principalmente na criação da pequena Pia. Mas é bom que ele amanse a torcida do River. Não pegou bem ele chegar ao clube que investiu tanto dinheiro em sua chegada sem sequer citá-lo na despedida do São Paulo. Tal gesto, em Buenos Aires, costuma-se chamar ''guiño''. Uma piscadinha.
É bom Pratto ficar com o olho bem aberto. Ojo. Com a chegada de Tevez e com a cobrança deste River millonario de verdade, como poucas vezes se viu na história.
Mas se o coração está feliz ao ficar perto da filha, tudo vai ser consequência.