O Peru é favorito. E não é papo de argentino milongueiro
Tales Torraga
E chegou a quinta-feira (5) que Buenos Aires mais que esperava – vociferava.
Argentina e Peru abrem o faroeste às 20h30 (de Brasília) na medieval e arcaica Bombonera em clima de guerra, em que pese a depressão portenha com a seleção.
O Peru merece ser olhado como favorito. E não é encenação. Não é transferir responsabilidade. Não é papo de argentino milongueiro.
(No Brasil ainda dizem ''argentino milongueiro'' quando alguém encena demais?)
Explicamos:
PREPARAÇÃO. O Peru se juntou e começou a trabalhar esta decisão numa segunda, dia 25, pela manhã. A Argentina treinou pela primeira vez só na última segunda (2) à tarde. Uma semana e um período de diferença!
O Peru começou com 11 jogadores, todos da liga do país, sem esperar os estrangeiros. A Argentina foi um arrazoado que se juntou na íntegra aqui em Buenos Aires só anteontem (3).
OS ASTROS. Guerrero chegou ao Peru 72 horas antes do previsto. Messi, que joga afinal a classificação à última Copa da sua vida, se apresentou só na antevéspera daquele que os portenhos veem como ''o jogo mais angustiante da sua carreira''.
O DESCANSO. Como começou a treinar antes, o Peru se deu ao luxo de oferecer a terça-feira livre a seus atletas. Já a Argentina se ocupou em testar múltiplas variantes desencontradas e o resultado vai ser um time sem muitas conexões.
A Argentina joga en La Boca del Diablo com: Romero; Mercado, Otamendi, Mascherano e Acuña; Paredes, Banega, Di María, Messi e Papu Gómez; Benedetto.
AJUSTES. O Peru adiou cinco das oito partidas do campeonato local para evitar lesões e deixar todos con la cabeza na Bombonera. A Argentina não mexeu uma partida sequer de seu violento torneio. E perdeu um jogador. Nacho Fernández, volante do River, seria chamado, mas se machucou no insosso 1×1 com o Tigre.
FAÇANHA x FRACASSO. O Peru está diante da maior glória esportiva do país em 35 anos – voltar a uma Copa. A Argentina corre risco do maior fracasso de sua história – ausentar-se de um Mundial depois de quase 50 anos.
Como imaginar vexame maior do que ter o melhor do mundo e sequer ir à Copa?
PLANO x IMPROVISO. Ricardo Gareca comanda o Peru há quase três anos. Já Jorge Sampaoli faz nesta noite sua terceira partida oficial pela Argentina!
Gareca tem um time nas mãos; El Pelado Sampa ainda busca o seu.
COMPROMISSO. Enquanto o peruano Jefferson Farfán tomou um avião privado desde Moscou para tratar mais rápido sua lesão e estar à disposição de Gareca o quanto antes, Kun Agüero arrebentou o carro e a costela ao sair de um show de reggaeton na Holanda na semana passada.
HISTÓRIA E MOMENTO. O Peru jamais foi adversário fácil para a Argentina em Eliminatórias. Em 1969, tirou a azul e branca da Copa de 1970 justamente na Bombonera com um 2×2. Outro 2×2, em 1985, classificou a Argentina ao Mundial em uma partida violenta e suja. E teve também o 2×1 Argentina no sufoco total em 2009 – 2×1, gol de Palermo no dilúvio de Núñez, quando Maradona deu até peixinho.
A fase peruana é muito melhor: ganhou os últimos três jogos, enquanto a Argentina perdeu da Bolívia (!) e empatou com Venezuela (!!) e Uruguai.
DETALHES. O Peru cuidou de tudo: até da sua água lacrada. Teve também o carinho de trazer ídolos do passado à Bombonera para animar e oferecer boas ideias. A Argentina, em compensação, mandou Sampaoli à Europa. E só. Nomás.
BOMBONERA. Loucura total, a Argentina não fez reconhecimento do gramado, algo apontado como grave pela maioria dos comentaristas das TVs portenhas. Qualquer um que esteve na Bombonera sabe que o estádio tem campo visual muy diferente de qualquer outro – e muitos dos europeus, Messi inclusive, jamais atuaram lá.
O apoio do torcedor também precisa ser levado em consideração. Ele vai virar um ódio nu e cru sem muito esforço.
A decisão pelo estádio dividiu o país bem quando a Argentina deveria se unir.
Dos volantes mais ''cavalos'' da história do Boca, Blas Giunta disse a barbaridade de que ''na Bombonera, Messi vai dar carrinho até com a cabeça''.
O que ele precisa é driblar e fazer gol, loco!
Hernán Crespo, histórico camisa 9 do River e da seleção argentina das Copas de 1998, 2002 e 2006, deu uma entrada por trás e com maldade no ufanismo e na mística em torno do estádio: ''A Bombonera fede. E treme porque é mal feita''.
Não comprem esta história do apoio argentino – eles estão brigando entre si desde antes da partida, como brigam entre si desde os tempos do General San Martín.
Os peruanos sim estão bem mais integrados. Jogadores e torcida se uniram na saída da equipe em Lima e na chegada a Buenos Aires. Os torcedores de vermelho e branco fizeram quatro grandes banderazos aqui na capital argentina.
E os portenhos? Nenhum. Só o Obelisco pintado de azul e branco. Efeito zero vezes cero. Ele hoje se pinta da cor que a gente quiser – basta pagar.
(Fica a sugestão ao Palmeiras quando ganhar o Mundial.)
***
O alívio para Messi e companhia com tudo isso?
A Argentina jamais se deu bem com o favoritismo. É melhor deixá-lo com o Peru.
Bilardo e Maradona eram dados como mortos em 1986 e fizeram a mais brilhante Copa de um jogador que o mundo já viu. O Brasil era ganhador fácil do confronto do Delle Alpi em 1990, e ''están llorando desde Italia hasta hoy''.
Loco Bielsa concretizou a Eliminatória mais perfeita da história e caiu logo na primeira fase em 2002. Nas Copas Américas sem Brasil e Uruguai, e diante de um Chile, convenhamos, limitado, Messi e companhia eram favoritos.
E deu no que deu. O que vai dar na Bombonera hoje?
Muita gente passando mal – de alegria ou de raiva. Ou jogadores virtuais campeões em 2018 ou fracassados que merecem exílio nas Malvinas.
Sem meio-termo. Aqui é assim.
Do topo do Obelisco ao fundo do Rio Riachuelo – aquele que, segundo Crespo, faz a Bombonera feder, além de tremer.
Salve-se quem puder.