Por que os argentinos andam tão bravos com Messi?
Tales Torraga
Lionel Messi chegou. Finalmente. O astro do Barcelona (e pendência eterna na seleção) tocou o solo argentino às 4h de hoje, antevéspera da decisão contra o Peru que pode deixar a Argentina fora da Copa pela primeira vez em quase 50 anos.
(A última ausência azul e branca no Mundial foi no México-1970, despachada justamente pelo Peru. Outra coincidência? O duelo decisivo acabou sendo realizado exatamente na Bombonera escalada agora para sufocar os peruanos.)
Não é preciso ser versado nem em futebol e nem em Argentina para saber que sufocados, mesmo, estão os argentinos. Os peruanos têm muito a ganhar; os argentinos, muito a perder, e nem Messi está escapando da verdadeira fúria vivida aqui às vésperas de um jogo tão importante.
A irritação portenha com Lio é coletiva e está longe de ser papo de fanático.
Na tarde de ontem (2), o principal programa de esportes da TV portenha, o ''90 Minutos de Fútbol'', do Fox Sports, dedicou 12 minutos à discussão sobre as razões que fizeram Paolo Guerrero, a estrela peruana, se apresentar tão cedo ao técnico Ricardo Gareca, no último sábado (30), e Lionel Messi aparecer tão tarde, tão em cima da hora, só agora, aqui em Buenos Aires.
A versão oficial da chegada tardia diz respeito a uma falha técnica no avião privado que trouxe Messi e Mascherano. Tanto os jornalistas do programa como qualquer outro torcedor com bom senso argumentam que tal falha de logística é imperdoável, e que a AFA, de fato, deveria ter um plano A, B, C e D para trazê-lo à Argentina.
É bastante questionável também a falta de iniciativa de Messi de não se valer da condição de maior jogador da história do Barcelona e não negociar uma antecedência sua na chegada à desesperada seleção da qual é capitão. Ele fez isso em 2009 antes de enfrentar o Brasil na sua Rosário – e é verdade que não adiantou, pois a Argentina de Maradona foi atropelada pelo Brasil de Dunga por 3×1.
Nos últimos dias, houve um verdadeiro clamor pedindo para Messi honrar a braçadeira e chegar antes à Argentina. O pedido foi encabeçado pelo ex-zagueiro Óscar Ruggeri, hoje um dos principais comentaristas da TV de Buenos Aires.
Em vão.
''Você, que é jornalista, me diz onde Messi está, vou lá dar um soco nele'', me pede, com rosto vermelho, o sempre muy amable Ezequiel Galeno, 65, dono da banca de jornais daqui de Don Torcuato que sempre nos atende com a maior cortesia e que expressa o ânimo geral com a chegada apressada de Lionel.
''Por que os jogadores do River se fecharam numa concentração para virar o jogo contra o Wilstermann? E por que este infeliz deste Agüero foi ver um show de reggaeton na Holanda sabendo que seria titular e que a Argentina precisa dele?''
É esta a metralhadora verbal que a seleção precisa lidar nesta semana – e o apoio tão buscado na Bombonera pode ser um fósforo riscado caso o Peru aproveite este estado de ânimo tão adverso para sair na frente do marcador.
¡Mamita querida, que locura!
É triste pensar que Messi acaba de sair de uma Catalunha colapsada para chegar a uma Buenos Aires caótica poucas vezes se viu em termos de futebol. Ele deu de ombros. Mal chegou, tomou café da manhã com Sampaoli e treinou em Ezeiza.
Já está habituado. A relação argentina de amor e ódio com ele é antiga.
Afinal, Messi levou uma cusparada em um aeroporto no Japão depois de ganhar o Mundial de Clubes em cima do River e foi agredido com um soco na cara quando andava tranquilo por Rosário em 2011.
Este é o retrato da atual Argentina. As pessoas tanto padecem de ponderação que insultam, pedem, exigem e aplaudem – e tudo ao mesmo tempo. A estátua de Messi em Buenos Aires foi destruída no ano passado poucos dias antes do banderazo pedindo para ele voltar à seleção. Quem consegue entender?
Notórios em cantar vitória antes do tempo, os argentinos hoje cantam derrota. Mesmo os famosos vídeos motivacionais caíram no vazio. ''Tudo bobagem'', falam.
Não são poucos os torcedores que vaticinam que a partida de Messi às 20h30 de quinta (5) na Bombonera será o seu adeus à seleção em Buenos Aires.
O raciocínio é tortuoso, mas faz sentido.
Bastaria a Argentina não somar os pontos que precisa diante de Peru e Equador (terça que vem, em Quito) e ficar fora do Mundial. Neste cenário, Messi, de 30 anos e 300 decepções com a seleção, não teria grandes razões para seguir este calvário com a camisa que um dia foi de Don Diego Armando Maradona – e que jamais, jamais mesmo, se apresentaria para uma partida tão decisiva tão em cima da hora.