Gallardo é o melhor técnico do mundo. E maior que Bianchi
Tales Torraga
Ainda eufórica pelo histórico 8×0 do River sobre o Jorge Wilstermann, toda a fria – e hoje com sol – Buenos Aires não cansa de elogiar o papel do técnico Marcelo Gallardo nesta épica virada. Que ele é um dos maiores ídolos da história do River – se não o maior – toda a torcida do clube de Núñez já sabe de cor e salteado.
A novidade é que até os fanáticos pelo rival Boca veem em Gallardo, 41, um técnico à altura da condição de ser aclamado como o maior do mundo no momento.
O Napoleón Gallardo – Olé/Reprodução
Tais aferições são, claro, sempre impossíveis. Como, por exemplo, avaliar o elenco que Gallardo tem em mãos e comparar com os trabalhos de Zidane no Real ou Ancelotti no Bayern? Mas quem quiser entender a mística gerada ao redor do treinador do River precisa levar em conta quatro aspectos.
RELAÇÕES. Gallardo é reconhecido pelo seu entorno como um mestre na condução de grupos. ''O seu nível é o de um escolhido dos céus'', declarou ontem (22) Enzo Francescoli, ex-jogador e hoje dirigente do River. Marcelo sabe o que dizer e quando dizer – principalmente as ''verdades incômodas'' inerentes a qualquer trabalho. Faz questão de tratar os comandados como pessoas – e não meramente profissionais. Seus jogadores não o enxergam como um chefe – e sim um ídolo. ''Chego mais cedo aos treinos só para estar perto dele e aprender'', declarou o volante Ponzio. Gallardo liga pessoalmente para os jogadores que estão para ser contratados para checar o compromisso de cada um com o projeto.
Daí vem seu afastamento natural com os dirigentes da AFA. Por fidelidade ao River e restrições aos mandachuvas do futebol do país, Gallardo não quer saber da seleção hoje nas mãos de Sampaoli – que passou a ficar ainda mais pressionada depois da goleada corajuda y llena de huevos do River em Núñez.
HUMILDADE. Enquanto o Monumental desatava em loucura com o 4×0 do primeiro tempo e a torcida gritava seu nome, Gallardo parou diante das arquibancadas e fez um gesto apontando que os méritos eram dos jogadores. Tal atitude é corriqueira em sua rotina. Marcelo jamais se comporta como uma estrela. Procura dedicar bastante atenção aos fãs (inclusive aos do Boca) e aos jornalistas (os da Argentina são especialmente complicados pelas críticas exageradas).
AUTOCONTROLE. Em um futebol tão passional como o argentino, Gallardo sabe que sua imagem representa demais para o grupo. Em seus tempos de jogador – da seleção argentina nas Copas de 1998 e 2002 – Marcelo foi tão talentoso quanto esquentado. Em seu começo no River, há três anos, a pecha de calentón o perseguia. Hoje ele é um ponto de calma – mas jamais passividade – no meio de toda a loucura que ronda o futebol do país.
ATENÇÃO AOS DETALHES. O River aplicou o 8×0 da quinta (21) depois de uma meticulosa preparação, que incluiu a ''concentração especial'' em uma estação turística e uma formação tática jamais usada antes em um jogo – e saiu ainda melhor que o esperado. Nada escapa ao pensamento meticuloso de Gallardo. Tudo foi planejado por ele, que inverteu o lado habitualmente escolhido para atacar no primeiro tempo e vestiu um agasalho do River durante os 90 minutos – que o tirava assim que o juiz apitava o fim da bola rolando. Tanto era assim que ele seguia aos jogadores para cumprimentá-los já vestindo o habitual terno e gravata.
Outra comparação que ronda as conversas portenhas sobre futebol é sobre se Gallardo já estaria acima de Carlos Bianchi, o histórico técnico de Vélez e Boca que conquistou sete Argentinos, quatro Libertadores e três Mundiais.
Quem defende Bianchi saca chapa, claro, de seu impressionante currículo de técnico – construído em uma carreira de 30 anos. Gallardo é treinador apenas desde 2011, quando parou de jogar no Nacional do Uruguai para imediatamente virar um técnico campeão pelo clube.
O currículo de Gallardo até agora mostra uma Libertadores, uma Sul-Americana, duas Recopas, um Uruguaio e uma Copa Argentina.
Quem o vê acima de Bianchi prega os seus métodos. Enquanto Gallardo é tido como um técnico que faz seu time jogar de muitas maneiras diferentes – desde o ataque total até o limite da violência -, Bianchi é visto, até pela torcida do Boca, como um técnico retranqueiro que amarrava sua equipe ao redor do travessão e que contava com as vitórias nas decisões por pênaltis.
Foi desta maneira, afinal, que ele conquistou três (1994, 2000 e 2001) de suas quatro Libertadores e um dos três Mundiais – o de 2003, quando o Boca de Tevez bateu o Milan de Cafu nos pênaltis.
Nenhum outro clube argentino ganhou o Mundial desde então.
A seca já vai para 14 anos. E que ninguém duvide: o jejum tem boas chances de terminar agora em 2017, con este impresionante y infernal River de Gallardo.