Patadas y Gambetas

Como o futebol virou o assunto das mulheres no Uruguai

Tales Torraga

O bairro de Pocitos é dos mais agradáveis de Montevidéu. E como Tostão sempre diz, o uruguaio é, de fato, dos povos mais educados e agradáveis do mundo.

Monica Caffe, de 49 anos, é excelente exemplo. Dona de uma mercearia na esquina das ruas Simón Bolívar e Silvestre Blanco, no próprio bairro de Pocitos, ela distribui sorrisos e muitas cuias de mates aos que passam pelo seu negócio.

Sua rádio sintoniza um programa de debates de futebol. Uma colega lê o ''Ovación'', o caderno de esportes do jornal ''El Pais''. Uma outra presente combina com as amigas em qual bar vão ver o clássico das 20h desta noite contra a Argentina.

Cinco mulheres, uma bandeira e uma paixão – a seleção / Foto: Patadas y Gambetas

Sem exagero: o futebol é o assunto preferido das mulheres uruguaias quando a seleção está em campo. ''Este é um mérito do técnico Tabárez. Ele realmente uniu o país à seleção. Você percebeu quantas mulheres telefonam para os programas de rádio para conversar sobre futebol com os locutores? Queremos saber todos os detalhes. Aqui é assim. No Brasil não é? Mas vocês têm tudo…'', sorri Monica, muy amable como sempre. Amable e apaixonada pelo seu país: tanto é assim que ela fez questão de sair na foto acima olhando para a bandeira, e não para a câmera.

O vínculo feminino com a seleção uruguaia é forte também entre as adolescentes – que contam, entusiasmadas, que se juntaram entre muitas amigas para torcer pelo país até no Mundial Sub-20 disputado em junho, mesmo com os jogos disputados na Coreia do Sul: ou seja, na madrugada ou muito cedo. E no inverno.

''O que o futebol nos mostra é que com união é sim possível que o Uruguai, país tão pequeno, consiga destaque mundial'', afirma a socióloga Carola Rabellino, de 48 anos, também empolgada para o clássico. ¨Obdulio Varella, Ghiggia e os jogadores do Maracanazo são grandes heróis para a gente justamente por isso, por traçar um caminho para o povo. E isso estava adormecido. A seleção esteve mal por muitos anos. Agora, com Tabárez, nos juntamos a este processo. Os homens sempre foram mais do futebol, até por cultura, mas hoje as mulheres estão juntas igual.''

É uma afinidade das mulheres uruguaias então com a seleção, não com o futebol?

''A seleção é uma porta de entrada para o futebol local'', analisa Elena Gorriti, professora da Faculdade de Psicologia de Montevidéu. A faculdade fica na Tristán Narvaja, rua onde é armada a tradicionalíssima feira do centro da capital uruguaia.

''Todos concordam que o futebol hoje é mais novela que futebol. Todos querem ver o boné que usa Suárez, que cuia usa Messi para tomar o seu mate'', analisa a psicóloga. ''E isso, claro, encanta também as mulheres e os homens de igual forma. O que as mulheres daqui estão fazendo com a seleção é observar mais o futebol local, é saber quem joga no Nacional, no Peñarol, no Defensor.''

''Mas não pelos clubes, principalmente para saber qual é o futuro da seleção.''

Quando o Maestro Óscar Tabárez se refere ao êxito do ''processo'' da seleção, é exatamente disso que ele fala. De como o povo todo, sem exceção, abraçou esses 11 uruguaios correndo como alucinados que dan patadas não só nos adversários – mas sim nas limitações inevitáveis deste Uruguai tão pequeno quanto encantador.