Ônibus a 130 km/h, aquecimento de 5min e chuteira emprestada: épico argento
Tales Torraga
Digam o que quiserem do futebol argentino de hoje e de todos os tempos.
Escândalos com drogas, árbitros, dirigentes, torcedores, quem seja. Por longa que chegue esta lista, ela é e sempre será menor que aquilo que caracteriza o esporte do país como nenhum outro: uma raça incomparável, uma total e absoluta incapacidade de encarar a derrota como algo natural e inevitável na vida.
O que ocorreu com a classificação do Atlético Tucumán sobre o Nacional de Quito na Libertadores superou tudo o que se poderia prever, com uma coleção de histórias que já está na ponta da língua do fanático argentino, do clube que for.
Vamos contar algumas, porque são mesmo demais:
* O Atlético Tucumán se aqueceu por apenas cinco minutos, das 23h38 às 23h43 (de Brasília). E na altitude de Quito, de 2.850 metros! O oposto do aquecimento de 38 minutos do Jorge Mendonça na Copa de 1978 em Mar del Plata (os mais velhos vão lembrar). E os times que fazem aclimatação, que chegam antes, que passam semanas e meses ''se acostumando aos efeitos da altitude''?
* O ônibus que levou o Atlético do aeroporto ao estádio cruzou a rodovia a 130 km/h, um inaceitável risco que de engraçado não tem nada, ainda mais depois de tragédias como as da Chapecoense e do Huracán no ano passado.
* Além das camisas e calções da Argentina Sub-20, os jogadores precisaram pegar emprestadas também as chuteiras. O gol de Zampedri foi de cabeça. Menos mal.
* ''Algumas camisas pareciam um body, e algumas chuteiras pareciam pantufas'', assim definiu o embaixador argentino no Equador, sobre o uniforme dos jogadores. ''Eu, que estou aqui há um ano, fico cansado quando me abaixo para amarrar o cadarço. O que esses rapazes fizeram foi impressionante. Terminaram mortos.''
* A narração foi de emoção comedida, mas nem por isso menos interessante. Aqui. Já circulam vídeos com montagens do gol de Zampedri com os relatos de Pollo Vignolo, um dos principais locutores da Argentina, chorando. São fakes, mas também emocionantes. Aqui.
* Chama atenção também o minuto da abertura do placar: 15 do segundo tempo, quando os jogadores em tese já estariam cansados e sem chances de fazer frente ao adversário e ao ar rarefeito.
* A Argentina historicamente vai mal na altitude – em Quito e mais ainda em La Paz.
* ''Cuando lo imposible llega a tu vida''. Foi esta a postagem do técnico do Atlético, Pablo Lavallén, há dez dias. Premonição pura.
* ''Pararam o avião de propósito e nos ameaçaram'', declarou, quase chorando, o treinador Lavallén depois da vitória. Com certeza será chamado para esclarecer.
* Cantora argentina mais famosa de todos os tempos, Mercedes Sosa nasceu em Tucumán. Se viva, garantem, La Negra com certeza gravaria uma canção eternizando esta vitória do Atlético.
* O presidente do Atlético praticamente arrancou as camisas dos jogadores ao final da partida. Queria todas muito suadas. Vão para um museu ou uma exposição.
* O clube já se mobiliza para iniciar com sua torcida um concurso de contos para descrever esta vitória. Tal prática é comum na letrada Argentina.
* ''Un avión en la cancha'', uma das manchetes do jornal ''Olé'' desta quarta. Muito boa, como (quase) sempre.
* Torcedores em Buenos Aires já ensaiam uma campanha para pedir que o Atlético represente a seleção adulta pelo menos uma vez. ''Assim, sem Agüero e Higuaín, ganhamos'', brincam. Mas o movimento é sério.