Lesões, glórias e idolatria. Por que Guga e Del Potro são tão parecidos
Tales Torraga
E o ''Maradona es más grande que Pelé'' chegou ao tênis.
É fácil, extremamente fácil, encontrar em Buenos Aires torcedores que, desde a conquista da Copa Davis no último domingo, já colocam Juan Martín del Potro como o melhor tenista sul-americano da história, acima até de Gustavo Kuerten.
A diferença de idade de ambos é de 12 anos. Guga nasceu em 1976 e está com 40; Del Potro, 28, nasceu em 1988. Enfrentaram-se profissionalmente uma única vez.
E a ''Torre de Tandil'' ganhou do ''Surfista do Saibro '' por 7/6 e 6/2 na primeira rodada do Masters Series de Indian Wells, na quadra dura, em 2007, ano em que Guga enfim desistiu de tentar superar as persistentes lesões no quadril.
Colocar Del Potro acima de Guga, como parte da Argentina faz desde domingo, tem mesmo ares da rixa entre Pelé e Maradona. Não apenas por Guga e Delpo não terem sido contemporâneos, mas também pelo tenista brasileiro, assim como Pelé no futebol, exibir números superiores aos do argentino.
Kuerten ganhou Roland Garros três vezes, em 1997, 2000 e 2001. Foi número um do mundo por quase um ano todo – exatas 43 semanas entre dezembro de 2000 e novembro de 2001. Del Potro conquistou um único Grand Slam, o US Open de 2009, e tem como melhor ranking a quarta posição obtida em janeiro de 2010.
Os argumentos argentinos para relativizar esses feitos são dois.
O primeiro é o fato de Del Potro ter, na visão de muitos, uma concorrência mais pesada que a enfrentada por Guga – embora o brasileiro seja de uma geração na qual precisou encarar Sampras, Agassi, Kafelnikov, Safin e Hewitt, entre outros, Del Potro se colocou lado a lado a lendas da história como Roger Federer e Rafael Nadal, ambos derrotados na campanha que o levou ao título do US Open com apenas 19 anos. Nadal foi batido na semifinal; Federer, na decisão por cinco sets.
Há também Novak Djokovic e Andy Murray, ambos vencidos por Delpo em 2016 em jogos épicos na Olimpíada (Djokovic) e na Davis (Murray, em plena Escócia).
Muitos argentinos veem os títulos de Guga em Roland Garros sobre Sergi Bruguera (1997), Magnus Norman (2000) e Alex Corretja (2001) como conquistas nas quais os adversários não faziam parte do primeiro time do tênis – com a óbvia ressalva brasileira de Guga ter vencido Agassi e Sampras na Masters Cup de 2000, evento que Del Potro chegou à final e perdeu para o russo Nikolay Davydenko em 2009.
Há a diferença clara também de estilo de jogo e de preferência de pisos.
Enquanto Guga foi o típico tenista sul-americano que se dava melhor no saibro que nas demais quadras, Del Potro rompeu paradigmas (segundo argumento argentino) e obteve seus êxitos em quadras duras. Foi assim na final da Davis, no seu título de US Open e na medalha de prata conquistada na Olimpíada do Rio.
(Olimpíada que nunca esteve nem perto de sorrir a Kuerten, convenhamos.)
Delpo é também um ótimo jogador de grama. Nela, conquistou o bronze na Olimpíada de 2012 e fez semifinal em Wimbledon em 2013 – o melhor desempenho de Guga na superfície foi chegar às quartas-de-final em 1999.
Enquanto o grande feito de Guga foi popularizar o tênis no Brasil – um papel mais para Guillermo Vilas que para Del Potro -, a proeza de Delpo foi nascer e crescer dentro de um ambiente de tradição como é o tênis na Argentina e levá-lo ainda mais para o alto com a inédita conquista da Copa Davis, algo que o país teimava em conseguir – tanto com ele em quadra como com os antecessores.
O melhor desempenho de Guga na Davis foi uma semifinal, em 2000, quando perdeu para a Austrália na grama de Brisbane.
Há em favor de Guga uma atuação nos bastidores da Davis que mudou toda uma geração de dirigentes quando ele boicotou a competição no começo da década passada; Del Potro fez algo parecido: desentendimentos com antigos cartolas causaram seu afastamento da competição que voltou a jogar este ano depois de quatro temporadas de ausência. Mas não houve necessariamente um boicote.
A mudança do comando ocorreu devido à morte de Arturo Grimaldi, o presidente com quem Del Potro tinha suas desavenças.
Outros dois pontos de contato – ou atrito, depende de quem os olhar – entre Guga e Del Potro dizem respeito às lesões e ao carisma de cada um.
Primeiro, as contusões. Guga sofreu com o quadril por cinco anos, de 2002 a 2007, até fazer seu tour de despedida e se afastar do tênis profissional em 2008. Ao todo, exibe uma carreira de 358 vitórias, 195 derrotas, 20 títulos e US$ 14,8 milhões.
O quadril de Guga foi o punho de Del Potro, que não vinha o deixando competir com regularidade desde 2010. Guga e Delpo passaram pela mesma quantidade de cirurgias para lidar com suas lesões – três.
LEIA MAIS: O poder da simplicidade, entrevista exclusiva com Guga
Mesmo com as idas e vindas, Delpo já exibe carreira com uma extensão semelhante à do brasileiro: 346 vitórias, 140 derrotas, 19 títulos e US$ 16,2 milhões em prêmios.
Por fim, o carisma.
Guga até hoje é reverenciado como um dos mais simpáticos tenistas em todo o mundo, e gerou uma imensa comoção no Brasil quando competia.
Na Argentina também. Guga contou muitas vezes com a torcida de Buenos Aires a seu favor quando enfrentava tenistas da casa como Coría, Gaudio e Zabaleta.
O caso de Del Potro é diferente. ''Ele não tem o carisma de Guga e nem é tão querido. Reverteu sua imagem e voltou a nascer. Mas está longe de ser um ídolo'', relativiza o jornalista argentino Ariel Ruya, editor do jornal ''La Nación''.
LEIA MAIS: Como Del Potro superou o ciúme, o pânico e a depressão
O grande plus recente de Del Potro é sofrer, sofrer, sofrer, não se entregar e triunfar, algo que os argentinos aplaudem de pé e para sempre – havendo carisma ou não.
Se aos olhos portenhos o Brasil segue a terra da alegria e da descontração – olhe que coisa mais linda, mas cheia de graça… – a Argentina é a pátria do esforço e da entrega – ponga huevos que ganamos, es un sentimiento, no puedo parar.
Guga e Del Potro estão aí, cada um à sua maneira, provando isso uma vez mais.
* Com Fábio Aleixo, de São Paulo. Gracias por tanto, Mitazo!