Técnico do Estudiantes muda socos por lucidez para liderar bem o Argentino
Tales Torraga
O Campeonato Argentino tem um (brilhante) líder isolado depois de oito rodadas.
O Estudiantes, com 22 pontos e quatro de vantagem para o segundo.
E quem comanda o Estudiantes é um homem que primeiro precisou aprender a comandar sua própria vida: o ex-zagueiro Nelson Vivas, hoje com 47 anos.
Atleta de bons recursos, possuía uma dificuldade que está no DNA da maioria dos argentinos: um temperamento que o levava a situações de extrema agressividade.
Mesmo assim, defendeu Boca, River, Arsenal e Inter de Milão e foi titular da Argentina de Passarella que disputou a Copa do Mundo de 1998.
Vivas é muito lembrado na Argentina até hoje por um soco que não deu.
Em raro momento de lucidez, recolheu a mão antes de acertar um golpe na cara de Rivaldo em pleno Argentina x Brasil em 2001, pelas Eliminatórias, em Núñez.
(Impossível convencer um portenho de que este soco não existiu e é pura lenda.)
Outra triste lembrança da sua fúria já vem do período como técnico.
Vivas, ao terminar um jogo, entrou na plateia e bateu (muito) no torcedor que o xingou durante a partida. Foi assim que deixou o Quilmes há três anos.
Percebeu que precisaria aprender a controlar os nervos. Conseguiu. Hoje é um homem apto às pressões do cargo, embora ainda apresente dificuldades.
Semana passada, ao comentar as críticas hoje recebidas pelos jogadores da seleção argentina, Vivas simplesmente chorou em plena entrevista coletiva.
Diz que sofreu demais com os xingamentos quando jogava – razão que contribuía para sua violência e que o levou aos psicólogos pelas primeiras vezes.
Os terapeutas diagnosticaram seus diversos TOCs (Transtornos Obsessivos Compulsivos), e Vivas aprendeu a lidar com cada um: ''Minha mãe era assim''.
Largou a terapia. Quando precisa ouvir alguém, recorre ao amigo e seu ex-treinador Marcelo Loco Bielsa, importante em sua vida há décadas. Un Loco lindo.
E como Vivas conseguiu?
Percebeu que suas reações tão prejudicais a si estavam ligadas somente aos pensamentos. E que esses pensamentos poderiam ser controlados e moldados.
''Há uma crise de percepção absoluta, e não só no futebol. Estamos trabalhando para ter um carro melhor ou uma casa maior, sempre correndo atrás do mundo consumista e cansado com tudo o que precisamos fazer no dia-a-dia'', explica.
''Nunca aproveitamos o agora. Passei grande parte da minha vida assim e consegui mudá-la. Hoje trato de viver de outra forma e sinto que não preciso fazer que o resto das pessoas pense como eu. Isso me libera de quase todas as tensões.''
Vivas encerra o papo com uma frase que evidencia sua dedicação à terapia:
''O ego é o grande mal com o qual convivemos''.