Patadas y Gambetas

Por dentro da loucura de Marcelo Bielsa

Tales Torraga

Marcelo Bielsa se foi – antes mesmo de chegar à Lazio. Não foi surpresa.

A Argentina está acostumada aos movimentos bielsistas. Marcelo é muito mais que um mero treinador. É o símbolo da ética que desafia o establishment a todo custo.

Contratá-lo é difícil. Atender (e manter) suas exigências, mais ainda.

Para entender as idiossincrasias é preciso voltar à infância na Rosário dos anos 60.

Marcelo é filho e neto de dois dos advogados mais importantes não só da província de Santa Fe. E sim de toda a Argentina. Sua mãe foi professora de matemática.

Seu irmão e sua irmã foram senador e vice-governadora. Na casa abastada e erudita, Marcelo decidiu seguir carreira no futebol. E desde a infância apostou na obsessão e na rebeldia para convencer a família de que, afinal, seria bem-sucedido.

Largou os parentes aos 16 anos para viver na pensão do Newell's Old Boys: ''Tenho coisas a fazer'', limitou-se a dizer à mãe e sair de casa só com a bicicleta.

Tinha (e tem) aversão a luxo e vanidades. Basta vê-lo para comprovar.

Jogou em todas as categorias de base e estreou na Primeira Divisão em 1976. Zagueiro, pouco atuou. Sabia que não se destacaria como prometera à família.

Foi buscar seu sucesso à beira do gramado. Começou de baixo, galgou toda a formação e estudou Educação Física na UBA, a Universidade de Buenos Aires.

Lá, estreou como técnico. Obcecado por todas as formas de conhecimento, tinha (e tem) grande dificuldade para controlar o temperamento: ''Sou argentino, afinal''.

Em mais de uma ocasião resolveu desavenças com socos. Tirava o relógio e com calma chamava o interlocutor para a briga: ''Só podemos resolver desta forma''.

Sua loucura foi definida pelo ex-jogador Jorge Valdano como ''excesso de qualidades''. Buscar depoimentos sobre Bielsa é saber de um humano afetuoso, sincero e extremamente frontal – mas de pavio curto com futilidades e trapaças.

Em famosa passagem, apareceu com uma granada na mão ameaçando atirá-la na torcida do Newell's que protestava uma derrota na porta de sua casa. Era 1992.

Na seleção argentina, encantou tanto pelo bom futebol quanto desesperou pelos escassos resultados. Foi eliminado na fase de grupos da Copa do Mundo de 2002. E se retirou em um convento com uma pilha de livros de futebol por três meses depois disso. Começou a falar sozinho. E percebeu que era hora de voltar à ativa.

Ganhou o ouro na Olimpíada de 2004. E renunciou: ''Minha energia acabou''.

Sua passagem por clubes e por outra seleção – a do Chile – demonstrou outra cara pouco conhecida no Brasil: a da extrema dedicação às estruturas de trabalho. Tirava dinheiro do seu bolso para reformar gramados e concentrações. Quando percebia algo que fugia à sua forma de ser – especialmente com o dinheiro -, simplesmente se retirava, para frustração de quem o seguia. Costuma fazer amizades mais profundas com os profissionais menos valorizados, como roupeiros e massagistas.

Muito por conta do temperamento campestre que cultiva desde os anos 70. Marcelo se refugia em Máximo Paz, na Província de Santa Fe, e mantém sua vida por lá todo o tempo que pode. Diz fazer isso para não ser influenciado por visões equivocadas sobre seu trabalho. É amado no seu povo. Amigo do primeiro ao último momento.

Bielsa é tão adorado pelos jogadores e torcedores quanto odiado pelos dirigentes. Nas entrevistas coletivas – tem horror à imprensa e se recusa a atender jornalistas individualmente -, em mais de uma vez fez duras críticas a seus chefes. Ficou famosa a foto sua nesta ocasião com o desespero de uma assessora.

''Prefiro que ninguém me conheça a que me conheçam de forma errada'', costuma repetir. ''O homem que tem ideias novas é um louco até que essas ideias triunfem.''

''Éramos todos amigos e a gente adorava jogar juntos. Passávamos bem reunidos e tentávamos fazer o melhor possível. Atacávamos muito e logo recuperávamos a bola para atacar de novo. Esse é o futebol''. Este é Marcelo Bielsa.

Personalmente creo que todo esto es una locura, Marcelo.