Patadas y Gambetas

‘Messi de 78’: O capitão argentino que disse não à Copa, seleção e ditadura

Tales Torraga

Silêncio.

Foi esta a resposta de Jorge Carrascosa para a matança que brutalizou a Argentina.

Carrascosa era nada menos que o capitão da seleção do país na Copa do Mundo de 78 – a dos generais assassinos e da pelota ensangrentada dos desaparecidos.

Carrascosa foi o Passarella antes de Passarella. Titular na Copa do Mundo de 1974 na Alemanha. Líder dentro e – principalmente – fora de campo. El Gran Capitán.

Berti Vogts, Arnaldo Cezar Coelho e Jorge Carrascosa. A regra é clara: 1 foto, 3 gênios

Lateral-esquerdo de recuerdos imborrables de Banfield, Huracán e Rosario Central, Carrascosa foi o Valdano antes de Valdano. Unia a técnica ao brilhante intelecto. Certamente dos jogadores mais cultos do mundo a pisar um gramado de futebol.

Carrascosa foi, em 1978, o Messi antes de Messi: ''Seleção para mim terminou''.

Argentina 1×1 Escócia 1977: Houseman, Killer, Olguín, Carrascosa, Loco Gatti e Tarantini; agachados: Gallego, Ardiles, Luque, Vila e Bertoni

Sua ética não se negociava. E se feriu no Mundial de 1974. Na primeira fase, a Argentina ofereceu uma 'mala branca' à Polônia, que venceu a Itália e contribuiu com a permanência sul-americana na Copa. Carrascosa não se conformou:

– Me caiu muito mal. Devo render o máximo sem que me ofereçam nada em troca. Desvirtuou a essência do esporte. Não presto e nunca vou prestar para isso. As pessoas devem diferenciar as coisas boas das ruins.

Altivo como um técnico. Carrascosa en la cancha. Menotti no banco

Estafado. Mas craque em campo e com total voz de comando. Exemplo de conduta.

Aos 29 – mesma idade de Messi hoje -, fez toda a preparação argentina para o Mundial 78. Era titular indiscutível e, desde 1975, capitão. Carregaria em sua cinta a ilusão da Argentina e dos…militares que usaram e abusaram da Copa como forma de despistar o foco do cruel genocídio às escuras que ocorria em Buenos Aires.

O capitão Carrascosa com o futuro capitão Dieguito Maradona – então 17 anos

Aí veio o silencioso xeque-mate de Carrascosa.

Em maio de 1978, o técnico Menotti enviou à Fifa os convocados para o Mundial e incluiu o nome de Carrascosa – que disse ao treinador que abria mão do chamado e da oportunidade de disputar, na Argentina, como capitão, o Mundial em seu país.

Menotti pressionou. Carrascosa não cedeu.

– Não podia ir a um Mundial com as coisas que aconteciam no país. Se convocado, tampouco iria para 1982, pelas Malvinas.

Um passo atrás e à reclusão. Jamais esclareceu seu ato. Os amigos falam por ele:

– Carrascosa recusou ser cúmplice do golpe militar. Nunca explicou nada por respeito aos companheiros.

Até hoje a Argentina desconfia que aquela seleção sabia sim da matança praticada pelo então governo. Que os jogadores dissimularam. E assim atuaram na Copa.

Carrascosa deixou os campos em 1979. Estava no Huracán.

Tinha 31 anos e dois mais de contrato.

– A vida passa por coisas mais importantes que o futebol.

E disse adeus. Cumpriu um exílio em Mar del Plata. Hoje vive em Adrogué, Buenos Aires, onde trabalha com seguros. Casado há 46 anos. Duas filhas e quatro netas.

Em 2009, pelos 30 anos do seu retiro, um site argentino publicou longa e espetacular entrevista com ele, hoje, em 2016, com 67 anos.

É a única. Carrascosa não quer falar. E quando diz 'não' é 'não'.

Silêncio e princípios seus respondem ao que há de mau na Argentina e no mundo.

É figurinha, mas poderia ser capa de livro – a história de Carrascosa merece registro eterno