Opinião: Por que Messi é o melhor do mundo e o pior da Argentina
Tales Torraga
Ganhar é exceção. Mas o ar de superioridade do argentino faz pensar que ganhar é coisa de todos os dias. Somos assim. Há muitas explicações.
Ao mesmo tempo não há nenhuma.
Olhamos tudo muito de cima. Ganhar virou mais que necessidade.
Ganhar ou ganhar é tudo.
Tudo é exitismo. Tudo é agrandado.
Faz muito tempo que a perversa mensagem que se tem também do futebol é: ganhar é obrigação. Ganhe como for. Ganhar é o único que interessa.
Mas o futebol é um jogo. Se perde, se empata. Se ganha.
Não sabemos perder. Parece que os únicos que merecem ganhar são os argentinos.
Ser segundo não nos alcança. Queremos ganhar. Só por isso paramos para ver.
Também por isso a Argentina está numa crise imparável e sem fundo.
O futebol precisa responder por tudo o que não é futebol.
Precisa responder mensagem no celular antes de tomar banho.
O Twitter faz do famoso um boludo. E do boludo um famoso.
Mais atento à rede social que à rede do gol.
A Argentina está em permanente estado geral de loucura que exige: ganhe. Não importa como. Todos os meios foram eliminados. Só se olha o resultado.
Ganhe.
Tal olhar se torna o martírio do jogador. Nas decisões finas e finais, como cobrar um pênalti, passa pela cabeça todo o filme do que representa o instante.
Jogar bem futebol exige certa inconsciência. Sentir mais e pensar menos. Um país louco precisa de um capitão muito louco. Não um capitão (apenas) muito capaz. Por isso a seleção triunfou unicamente pelos pés e mãos de Passarella e Maradona.
Aplaudidos por fazer de tudo para ganhar. Por encher a mão de merda para passar no adversário. Por meter a mão na bola. Drogar o contrário. Envenenar o colega.
De tão loucos, até um louco normal como Bielsa pediu para sair da seleção.
O 'tudo para ganhar' virou a amarga sensação de que hoje fazem 'tudo para perder'.
É o ápice da incoerência Messi justificar que renuncia à seleção para 'fazer o que muitos gostariam que ele fizesse' e haver clamor nacional por sua permanência.
Morde. Insulta e manda sair. Assopra. Pede para ficar.
Maradona o ataca. Depois o defende.
O jornal o trata em editorial como um 'serial caminhante em finais'.
E depois capa 'Não se vá'.
Pulga, não pule fora.
Sua renúncia, claro, saiu da víscera, não da mente. Voltar atrás estará tudo bem.
Como esteve com Tevez, Riquelme, Redondo – e está agora com Del Potro.
Agora pedem para que Messi fique, mas que saiam todos. A começar por Tata Martino. E que venha um estrangeiro. Um Mourinho, um Guardiola.
O argentino quer uma comissão normalizadora que venha de fora para controlar a gente, gente de fora para controlar argentinos com problemas para trabalhar juntos.
Temos muitos problemas conosco mesmos.
Muitos problemas de ego, muita corrupção.
Muitos jogam no exterior, mas a seleção segue o que é a Argentina como país.
É claro que a crise na AFA influencia. O futebol tem o tal componente mágico que separa vitória e derrota por centímetros, mas o resultado esportivo quase sempre é coerente com o que se vê fora de campo.
Fracassos dentro de campo? Fracassos são os dirigentes.
Messi é o melhor do mundo e dizem que não rende. Mas desde quando um jogador é um time inteiro? É parte de um time. Messi foi o melhor na final contra o Chile.
Foi insuficiente. Separados, todos somos. Ele também é.
A única análise é se o pênalti entra ou sai, não algo muito mais aprofundado.
A final contra o Chile escancarou isso. Mas vemos o Chile como um país pequeno, simplório. O subestimamos. Jamais houve cuidado de passar ao público que Chile, Espanha, Alemanha e Argentina são hoje as quatro melhores do mundo.
Bélgica, Espanha e Alemanha desenvolveram uma ideia de futebol na última década. O Chile também. Com Loco Bielsa – o que largou a Argentina.
A Argentina cria e destrói projetos no mesmo dia. Impossível obter resultados assim.
Mas a única análise é se o pênalti entra ou sai, não algo muito mais aprofundado.
Europeus pegaram o que de bom fizeram Argentina e Brasil e aproveitaram. Inclusive da mescla de raças e das naturalizações. Vide a Alemanha.
A Argentina sempre teve problemas de time maquiados por um grande desempenho de Messi ou de outros jogadores.
Isso ficou evidente na superioridade numérica mal utilizada na final.
É evidente que o respaldo coletivo de Messi no Barcelona não se vê na seleção.
Assim é. Está claro demais. Passa pelo sistema de jogo e funcionamento do time. Se Messi realmente se naturalizasse espanhol, todos brigariam pelo segundo lugar.
Sem Messi, a Argentina vira seleção comum no horizonte de outras cinco ou seis.
O patriotismo argentino também é um pouco raro. A Argentina cria conceitos sem racionalizar as coisas. O triunfo no futebol não é pessoal. O argentino idealizou a figura de Maradona e segue apegado a ele.
Maradona também precisou de Valdano e de Burruchaga. Também precisou de um time. Maradona também não fez gols nas finais que jogou. A Argentina quase perdeu em 1986. Mas Maradona acertou um passe fantástico, como tantas vezes acertou Messi, e a Argentina ganhou.
O futebol sempre vai carregar este mistério de não se saber por que um time ganha – ou não perde – um jogo.
Claro que Maradona foi herói. Na seleção e no Napoli. Dos melhores de todos os tempos. Mas vivemos outros. Menos heroicos. Mais complexos e sofisticados.
Cada um forma seu caráter de um jeito. Messi deixou o país quando criança. Foi muito desprezado quando pequeno. Segue muito desprezado agora. Não caiam no conto do clamor e da comoção, não tomem o que ocorreu antes e ocorre agora como resultado de uma minoria ruidosa.
Maradona foi o filho da necessidade, da pobreza, da rebeldia argentina. Maradona reflete a Argentina muito mais que Messi, mas isso não faz de Messi um culpado.
Cada jogador tem seu temperamento e sua forma de jogar. O futebol é união de talentos. 11 Mascheranos não fariam a Argentina campeã. 11 Messis também não.
Messi precisa de acompanhamento psicológico tanto quanto qualquer outro argentino. No caso dele, a necessidade maior é ser feliz com uma bola no pé.
Mas com cabeça tão rebuscada e com tantas contradições, com tanta gente que fala uma coisa e faz outra, é quase impossível ser feliz hoje na Argentina.