Patadas y Gambetas

20 anos do “Olé”, o provocador jornal que ‘espalha uma paixão’ na Argentina

Tales Torraga

Rebelde e falastrão, o ''Olé'' deixa hoje (23) de ser adolescente. Completa 20 anos.

As ruas nesta segunda têm edição especial do jornal – 'diário', na Argentina.

'Compartimos a paixão' não é a frase linda que adorna nosso logo.  É uma forma de abordar o esporte. Com profissionalismo, mas também com viver, querer, sofrer.


Amamos o folclore do futebol sem permitir que esta palavra sirva para esconder as misérias da bola. Tentamos ser divertidos sem escapar da opinião ou do rigor. 

Nem melhores, nem piores. Distintos. E queremos nos renovar constantemente.

Ler o ''Olé'' faz parte da minha rotina desde 2010. Trabalhei com um ex-diretor do diário. Tento então passar a cor local portenha e a fama que o jornal tem no Brasil.

A primeira questão é a importância que a imprensa brasileira dá ao ''Olé''. Dos por tres: matérias citando desprezo, sarcasmo ou sensacionalismo de 'jornais argentinos' se resumem ao ''Olé'', que não é levado a sério nem no próprio país. O ''Olé'' é debochado. É jornal para se divertir, não para tentar entender o mundo.

É honesto também reconhecer que o ''Olé'' de três ou quatro anos para cá publica boas descobertas e conta com colunistas feras como o escritor Martín Caparrós, mesclando irreverência com conteúdo relevante e boa opinião a ser conferida.

Na parede da redação do jornal existia quadro determinando ''Proibido ser monótono, proibido carecer de fontes, proibido ter cabeça fechada''. Este, o espírito. Há ali excelentes jornalistas e a escola argentina de textos é das mais implacáveis.

Mas é tão coerente esperar equilíbrio do ''Olé'' quanto da TV Pirata.


Suas capas – muitas reeditadas e vendidas como pôster – são vistas em oficinas, restaurantes e mercadinhos. É a versão portenha da ''folhinha de borracheiro''. Muitas são mesmo um primor de criatividade. E a ironia aos brasileiros é casual.

Qualquer busca no arquivo do jornal encontra ainda mais pesadas gozações com alemães, espanhóis e portugueses. Ingleses? Ni hablar. Uma capa com Beckham e um dedo médio precisou ser recolhida depois de a embaixada do Reino Unido chiar.

O ''Olé'' tem circulação modesta: 70 mil exemplares diários, contra 500 mil do campeão de leitura ''Clarín''. São do mesmo grupo. O número deixa em evidência. Dão mais importância às bravatas do ''Olé'' fora da Argentina que no próprio país.

A cultura do papel é forte na Argentina. Os jornais são muito disputados em cafés e restaurantes de Buenos Aires, hoje nesta ordem: Clarín, La Nación, Crónica e Olé.

O deboche muitas vezes nem é bem visto na Argentina, país de fina ironia e constante histrionismo. Muitos veem o ''Olé'' como símbolo de decadência. ''Tudo a dois pesos, inclusive vulgaridade'', é a crítica comum dos velhinhos nos kioscos.

''O Olé reflete a mente de quem vai ao estádio, pessoas cuja única forma de alegria, de utopia máxima, é que seu time dê a volta olímpica. É uma das desgraças do nosso país'', declarou o escritor Fabián Casas ao suplemento cultural do ''Clarín''.

Outro pesado ataque ao ''Olé'' é a ''barra bravização'' da linguagem jornalística. A imprensa argentina é sisuda por tradição, daí as críticas e a razão de se ter diário mais leve, embora resvalando em mau gosto e ofensa. Hoje menos. Verdade.


A maior loucura publicada pelo ''Olé'' foi a capa de 31 de julho de 1996, ''Que venham os macacos'', anunciando a classificação argentina à final olímpica do futebol para enfrentar Brasil ou Nigéria. Aquele ouro ficou com a Nigéria de Kanu.

Hoje comentarista de TV, Mariano Hamilton foi o responsável pela manchete. ''Vi no dia seguinte. Foi uma cagada imensa. É a maior cagada da minha carreira. Se pensasse outra coisa, seria estúpido. No dia seguinte, fiz um editorial assumindo a responsabilidade e pedindo desculpas. Me arrependo. Falei com meus chefes.''

''Disse que se quisessem me mandar embora, que mandassem. Fiz o que tinha que fazer. Continuei no jornal anos mais. Sigo pagando por esta cagada e está bem.''