Há 20 anos, Caniggia e Maradona se beijavam. Hoje distantes, mal se falam
Tales Torraga
Foi a comemoração mais barulhenta da Argentina sempre ávida por discussões.
Boca e Lanús jogavam no estádio do Vélez em 7 de abril de 1996. Estava 1×1.
A 20 minutos do fim, Caniggia fez 2×1 Boca. E a boca de Maradona foi beijada.
Depois do jogo ainda brincaram: ''Estamos para qualquer coisa. Foi um lindo beijo''.
Foi só o primeiro dos piquitos. Em 14 de julho, Bombonera, Boca 4×1 River, com três gols de Caniggia, repetiram o famoso ''beijo de alma''. Sem protestos. Apenas gentilezas na Argentina onde homens se beijam naturalmente no rosto, não na boca.
Diego tinha 35 anos; Cani, 29. Eram muy amigos desde o fim dos anos 80, quando Maradona era deus no Napoli e Claudio Paul atuava pelo Verona.
Jovens de 20 e poucos, assim se comportavam. O entendimento dos gramados ocorria também nas festas e em um estilo de vida que traria consequências.
Tão entrosados, Maradona exigiu a Carlos Bilardo chamar Caniggia para a Copa de 1990 – justamente na Itália onde flanavam os dois. O treinador não queria Cani. Diego mandou: ''Eu e Claudio somos um só. Se ele não for, também não vou''.
Foram e brilharam. Maradona deixou Caniggia na cara de Taffarel para eliminar o Brasil. Quando se separaram – Cani não jogou a final por cartões amarelos -, a Argentina perdeu. Alemanha campeã. 1×0, gol de pênalti (inexistente) no fim.
Muitos daquela seleção atribuíam a amizade às drogas que Caniggia passava a Maradona. Diego negou com detalhes em sua autobiografia Yo soy el Diego de la gente. Maradona e Caniggia caíram no doping – cocaína. Diego, em 91; Claudio, 93.
Voltaram a se encontrar e a encantar em 1994, nos Estados Unidos. Jogaram juntos duas partidas – 4×0 Grécia e 2×1 Nigéria de virada com dois gols de Caniggia. O segundo, depois de assistência dos deuses de Maradona em cobrança de falta.
Ninguém imaginava, mas era o réquiem da dupla pela Argentina. Ficou para a posteridade a entrevista dos dois pouco antes de Maradona cair em novo doping.
Separados outra vez, Caniggia (com Redondo, Simeone, Batistuta, Ortega) pouco fez para evitar o 3×2 Romênia que decretou a volta argentina já nas oitavas-de-final.
Maradona e Caniggia se acoplaram no Boca Juniors de 1995. Os beijos de 1996 enfureceram Mariana Nannis, mulher de Caniggia: ''Imoral. Um papelão. Isso não vai se repetir na minha família. Meus filhos e minha filha merecem o respeito do pai''.
Mariana e Maradona sempre se estranharam. Em 1990, quando as mulheres dos jogadores, unidas por Claudia, esposa de Diego, se juntaram, Mariana se isolou.
E soltou infeliz frase: ''Os Maradona comem com talher de plástico. São grasa [gíria para pessoas pobres, que comem mais gordura, significado original de grasa]''.
Maradona vez ou outra retrucava o que a mulher do amigo dizia: ''Claudio é muito meu amigo, mas se não pode controlar sua esposa, não existe. Não vou falar de Mariana. Se Caniggia falar da minha namorada, eu iria arrebentá-lo na porrada''.
A tensão e distância entre os Maradona e os Caniggia são crescentes. Diego vive em Dubai; Claudio Paul, depois do roubo da casa de Marbella, no Rio e em Buenos Aires. As últimas fotos juntos são de 2012, exposição de quadros do filho de Cani.
Desde então outra geração se meteu nas discussões. Para defender o status ''poses e posses'' da filha, Charlotte, a mulher de Caniggia lança comparações e críticas às filhas de Maradona, a cantora e atriz Dalma e a empresária Gianinna.
Maradona defendeu a prole: ''Tenho orgulho das minhas filhas. Elas sabem em que continente fica a Argentina'', espetou, citando uma gafe cometida por Nannis na TV.