Perfumo, mito do Cruzeiro: susto com macumba e briga com Pelé e Rivellino
Tales Torraga
Histórico zagueiro argentino, Roberto Perfumo morreu anteontem (10) ao sofrer AVC e cair em uma cantina de Puerto Madero, bairro turístico de Buenos Aires. Tinha 73 anos. Há 45, chegou a Belo Horizonte para defender – e como! – o Cruzeiro.
Esteve perto do Vasco e do São Paulo, mas, aos 28 anos, desembarcou no Aeroporto da Pampulha para começar sua história celeste.
O Brasil dos anos 70 era terra mítica do futebol, uma Xanadu da bola. Estádios de quase 200.000 pessoas curtiam grandes jogos, craques e técnicos. Domingo, quarta e domingo. O ano todo. E sem brigas.
Apontada na Argentina até hoje como a melhor da história, a Seleção de 1970 jogava toda no Brasil. Do 1 ao 11, de Félix a Rivellino, confrontados pelo capitão argentino Perfumo, melhor zagueiro da Copa de 1966.
Sofreu de cara com a comida, com o português e com um espaço no Cruzeiro de Piazza, Nelinho e Tostão. Mas logo brilhou, forte e elegante. Mariscal. O Marechal.
Morava no Centro, Afonso Pena com Espírito Santo. Agraciado pela hospitalidade mineira por todos os lados – e em especial pelo goleiro Raul e pelo companheiro de defesa Procópio, os mais próximos dentro e fora de campo.
Em time tão forte, ganhou tranquilo o bicampeonato mineiro 1972- 1973.
Seus duelos contra craques de Rio e São Paulo foram simplesmente históricos.
Contra Rivellino, por exemplo. A patada atômica contra a patada argentina. Perfumo enfrentou – e anulou – o craque da Seleção e do Corinthians duas vezes, dois 0x0. Pelo Brasileiro de 1971, no Pacaembu, e o de 1973, no Mineirão.
Saía soco, chute, cotovelada e…tudo bem. No pasa nada. ''Ninguém chorava. Se chorasse, os próprios colegas de time te enchiam de porrada'', dizia o Mariscal.
''A gente herdou a coisa do futebol bem machista. Uma vez arrebentaram a cabeça do Charro Moreno com uma pedrada. E o médico, no intervalo, disse: 'Por que não me avisou? Eu te atendia'. Moreno respondeu: 'Capaz que te daria este gosto'. Com uma pedrada, hoje, te suspendem o estádio seis meses.''
Perfumo enfrentou Pelé três vezes – as três no Brasileiro 1973. No Pacaembu, 0x0 e 1×0 Santos. No Morumbi, 3×1 Cruzeiro, gols de Dirceu Lopes, Palhinha e Nelinho.
''O bom jogador precisa ser mau com o adversário. Pelé aconselhou isso a Maradona. Ele tinha maldade. Defendia-se com perfeição, El Negro.''
Perfumo foi vice-campeão brasileiro em 1974. No Maracanã de 115.000 pessoas, perdeu por 2×1 para o Vasco. Até hoje reclamam do anulado gol de Zé Carlos.
Perfumo só se assustava com as macumbas, totalmente desconhecidas na Argentina. Os cruzeirenses jogavam areia de cemitério no gol. Ou acompanhavam o adversário soltar, de uma gaiola, um passarinho preto quando perdiam. No ponto:
Outra vez, acompanhando Dirceu Lopes, viu a curandeira mastigar o pé do amigo.
Como jogador do Cruzeiro e capitão da seleção argentina, cumprimentou Cruyff em 1974, na Copa do Mundo da Alemanha, dos imensos orgulhos da história do clube.
Depois do Mundial, voltou a Buenos Aires, a pedido da mulher.
Em 1975, iria parar, mas aceitou a proposta do River e fez dupla com Passarella.
É expressão argentina até hoje: ''Passarella machuca, Perfumo termina de matar''.
Seu pupilo foi o grande zagueiro da década seguinte, capitão da primeira Argentina campeã do mundo em 1978. Dimensão da grandeza e generosidade do Mariscal.
A morte de Perfumo comoveu o Cruzeiro. ''Sua passagem pelo clube foi muito bonita'', disse Tostão. ''Sempre alegre, carinhoso, de fácil convivência. A lembrança que fica é a de uma pessoa muito gentil. Muitas saudades.''
Vale conferir a ótima entrevista de Cláudio Guimarães com Perfumo.