Torcedora mais fanática da Argentina, Gorda Matosas hoje é até tema de rock
Tales Torraga
O Dia das Mulheres é especialmente reflexivo na Argentina pela numerosa violência de gênero, infeliz consequência também da escalada do consumo de droga no país.
No esporte, a data serve para trazer personagens marcantes do passado aos mais jovens. Como Gorda Matosas, torcedora-símbolo do futebol argentino e do River.
Suas cinzas foram espalhadas há 20 anos no Monumental de Núñez, onde o São Paulo joga às 19h30 de quinta (10).
Este é o ótimo perfil assinado por Federico Rozenbaum no ''Olé!'' 17 anos atrás.
Em 1996, Gorda Matosas torcia pelo River pela última vez. Nascida na Espanha como Haydée Luján Martínez, seu nome e sua vida mudaram para sempre no dia em que Roberto Matosas lhe deu sua camisa
Cruzou o gramado. Se aproximou até a arquibancada com a camisa na mão. Buscou uma senhora e, ao vê-la, a deu. Ela, feliz, agarrou forte, sem saber que a partir daquele momento mudaria de nome.
Em um 16 de abril estreava Roberto Matosas. Ao ser substituído, lembrou da promessa que havia feito na semana a uma gorda da torcida, conhecida naquele tempo como Haydée. Assim, a essa gorda começaram a chamá-la Gorda Matosas, porque o troféu do qual se fez dona passou a ser parte do uniforme que vestiria a cada visita ao Monumental.
Haydée Luján Martínez nasceu na cidade espanhola de Granada, em 1933. Chegou à Argentina quando tinha nove meses junto com seus pais, que cinco anos depois morreram em acidente automobilístico.
Um fato anterior a esta tragédia a marcaria por toda a vida. Seu pai a levou para assistir ao River no velho estádio, e ela começou a ver o futebol como uma paixão e ao River como um verdadeiro amor.
A Gorda se converteu em mito. Como tal, há partes de sua história que perduram como lenda. Seu casamento falido, por exemplo. Dias antes da boda, brigou com o noivo, um engenheiro, porque ele não a deixou colocar a faixa vermelha no vestido. Também se diz que o verdadeiro motivo foi outro: a Gorda o enganava…Com o River, claro, a quem deu toda sua vida.
Seus primos de Villa Devoto a criaram. Depois, viveu sozinha em La Plata. Era dona de um táxi, mas sua principal fonte de renda era a venda de bilhetes de loteria. A carteira de clientes ia do River à AFA, onde aparecia religiosamente às quartas e sextas.
No piso térreo da Viamonte 1366 tinha seu bunker. Ali espalhava seus quilos, sua voz grave e rouca de tanto gritos e seus descuidos físicos que lhe deterioraram. “Um dia fui retirar um documento com meu filho menor que tinha três anos'', lembra o ex-árbitro Juan Carlos Biscay.
''A Gorda se dava bem comigo porque sabia que Matías, meu outro filho, era das inferiores do River. Ela apareceu para nos cumprimentar, e quando a criança falou que era torcedor do Boca, a Gorda começou a nos bater com a carteira.''
Uma situação parecida viveu o atacante Da Silva, ex-River, ao assinar com o Boca. Na AFA, a Gorda se enfureceu.
Apenas chegava o domingo e Haydée se transformava. Começava seus preparativos em casa, tomava um táxi ou ônibus até Núñez e chegava ao seu segundo lar. O gorrinho com a legenda “River Campeón'', um apito e a camisa número seis de Matosas a faziam única no meio da multidão.
Durante sua juventude se via pendurada em alguma paraavalancha, barra que impedia torcedores de cair na hora do gol. “Em jogo contra o Quilmes, de visitante, a torcida deles começou a cantar que a 'Gorda estava nervosa'. Parada num cano, ela baixou as calças e mostrou a todos sua calcinha com as cores do River'', conta o ex-jogador Daniel Onega.
A pior palavra para ela era Boca. Não a nomeava, preferia usar outros termos como, por exemplo, 'porcos'. Se alguém identificado com o rival lhe dirigia a palavra, ela respondia: “A você não tenho por que falar, você é bostero''.
Longe de qualquer delicadeza feminina, para Gorda Matosas não interessavam os bons modos. “Tinha muita força. Um dia a vi brigar contra dois caras em um ponto de ônibus de Barrancas de Belgrano. Me impressionou como ela batida. A um lhe quebrou a boca', relata Alberto Haliasz, fotógrafo do River.
¿Foi uma santa? Claro que não, tinha suas coisas. Em diferentes oportunidades mostrou um lado xenófobo e chocante por sua prepotência.
“Insultou vários companheiros meus durante uma gira pela Bolívia em 1973. Saí para defendê-los e desde então não falei mais com ela. Não gostava das suas atitudes. Depois ela quis fazer as pazes, mas recusei'', disse Beto Alonso, histórico 10 do River.
Café, muito açúcar e muito cigarro se contrapunham ao tratamento que fazia para controlar diabetes. ''Gritava ao entrar nos consultórios da AFA em busca de um doutor ou de um enfermeiro. Era muito parca para solucionar seus problemas de saúde'', relembra Oscar Bazán, um dos médicos do lugar.
Onde ia River, Haydée estava presente. Sua última viagem foi a Santiago, em 1996, para ver a semifinal da Libertadores ante a Universidad de Chile.
Se instalou no Hyatt. Nessa oportunidade, ''Olé!'' lhe perguntou quem havia bancado. “Trabalho muito e ninguém vai me tirar a alegria de ver River em todos os lugares'', respondeu.
Nesta noite, foi ao estádio e terminou de piorar sua doença pulmonar. Em 26 de junho, River saía campeão da América enquanto internavam a Gorda em La Plata. Uma semana depois, 4 de julho, falecia.
“Mereço ir ao céu, mas primeiro vou passar pelo purgatório. Igual, Deus, que é argentino e galinha, me vai desculpar'', repetia sempre.
Não se sabe para onde foi. A única certeza é que ficou no River como mito e como símbolo. Seu último desejo resume sua vida. Pediu ser cremada para que suas cinzas fossem espalhadas pelo gramado do Monumental.
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Gorda Matosas tanto marcou que inspirou a letra de Tajo C, rock do Divididos.
Y la Gorda Matosa, hermano!
Totalmente despampanante mujeres
Também um trecho de Lado B, de Ignacio Copani.
Hay que ver el lado bueno de las cosas
B de beso a la muchacha más sensual
Y otro beso a la gordita más pulposa (Matosas)
Que atraviesa el cielo del Monumental