Xuxa, explosões e jogadores na torcida; o River 0x0 Boca na arquibancada
Tales Torraga
É um domingo de sol esplendoroso, 24 graus. Com um estádio, o maior da Argentina, coberto completamente – 61.688 pessoas. Está o colorido das tribunas, as incontáveis bandeiras. Está o árbitro e estão River e Boca formados para o jogo.
Os do Boca, com maioria de chuteiras verdes. Os do River, com amarelas. É a única presença brasileira no superclássico.
E há um gramado verde impecável.
Fecho os olhos e tento lembrar onde vi antes esta cena. Devo rebobinar até minha remota infância: vi muitíssimas vezes no meu bolo de aniversário. Os dois golzinhos, os jogadores de biscoito, uma velinha. River, Boca e doce de leite no meio.
O estádio é do River, as cores são do River, os controles e auxiliares são do River. A capitania é da experiência. Cata Díaz, 36 anos, pelo Boca; Barovero, 32, pelo River.
É difícil ver bem na arquibancada. Há gente parada na parede e parada nas escadas. Preciso incorporar meus nervos.
Por que estou nervoso?
É difícil não estar. Há uma carga elétrica nesses jogos. Uma energia que crispa e dinamiza, seja o jogo bom, ruim ou regular. Os argentinos se sobressaltam quando os fluídos nos surpreendem. É por esse tipo de coisa que a gente se esquenta.
Aos torcedores do River se sobem os sentimentos à garganta durante os 90 minutos.
Um pouco à frente estão os jogadores que não puderam entrar em campo. Não faltam as explosões de rojões, os papeis picados, os punhos cerrados.
Mick Jagger, molesto com os celulares de São Paulo, deveria pular em Buenos Aires para ver o que fazem 60.000 corações destelados.
Não faltam os beijos na camiseta e essas veias inchadas que fazem o pescoço parecer um velho tronco de árvore.
Não falta também uma música de outro tempo para o atacante Alario.
Alari-lari-lari-ô. Ô, ô, ô. Ilariê, da Xuxa.
''Estamos doente. Perdão.''
A bandeira pendurada no setor San Martín poderia sintetizar um pouco tudo isto. Vem do refrão de Fuego, do Intoxicados.
Perdão, Buenos Aires. Perdão por tanto escândalo nas ruas estragando o silêncio cultural, perdão pelas garrafas quebradas que terminaram no piso, perdão por todas as pontes que tremeram, por algumas viagens de metrô que não puderam chegar ao destino, perdão por tantos maus costumes.
Estamos doentes. Perdão.
O torcedor do River aqui no Monumental tem séria responsabilidade, a de representar milhões de millonarios espalhados pela Argentina. 60.000, centenas, um só, sentem que devem fazer pelos que não chegaram, cantar, carregar bandeira.
Impresionante atajada de @AgustinOrion pic.twitter.com/K1VgN8Wa7J
— La12tuittera ⑫ (@La12tuittera) 6 de março de 2016
De alguma maneira, eles também estão jogando. Os turistas japoneses que estão um degrau abaixo percebem: perdão por esta epidemia.
Vão ter que nos desculpar. Perdão.
Tudo, tudo o que faz um jogo de futebol na capital argentina. Foi o que vim ver, caramba. Que triste, voltar para casa sem nenhum gol para contar.
Talvez não volte para o Brasil, por vergonha, e resolva ficar em Buenos Aires.
Com ARIEL CRISTÓFALO, de Buenos Aires
ROBERTO FONTANAROSSA (ele mesmo), de Rosário