Tomar mate, o combustível argentino
Tales Torraga
Passar e receber. Dividir e devolver. A bola? Não. Os verbos são ainda mais apropriados ao costume argentino que invade o futebol mundial – tomar mate.
No Brasil conhecida como chimarrão, a bebida é o combustível de Lionel Messi. Em janeiro, depois de brilhar de novo pelo Barcelona, subiu no Instagram no dia seguinte uma foto com mate, torrada e doce de leite. ''Bem argentino'', a legenda.
A combinação é chamada na Argentina de ''pasar entre mates y facturas''. Um mate, uma comidinha e alguém para conversar. Este é o café da manhã de muitos.
No Barcelona, melhor time da atualidade e talvez da história, o mate não pode faltar.
Seu recipiente é chamado por argentinos e uruguaios de calabaza. Seria a ''cuia'' no Brasil. A ''bomba'' é a bombilla. A erva é a yerba mate.
Consumir a erva na Itália trouxe problemas a Javier Zanetti, ídolo da Inter de Milão. Quando chegou ao país, foi parado por policial que confundiu a bebida com droga.
Presente no futebol do Sul, o mate tem se espalhado em cidades como São Paulo. O ''amado clube brasileiro'', como canta o hino, hoje ama também o mate dos seus argentinos – Bauza, Calleri e Centurión – e do seu uruguaio, Diego Lugano.
São os uruguaios, os maiores fanáticos por mate. Na Argentina, se bebe mais em casa ou escritórios. No Uruguai, todo lugar é lugar. Até nos shoppings as pessoas carregam suas termos – garrafa térmica – e calabazas.
Tomada na Argentina desde antes da chegada dos espanhóis, a média de erva consumida no país é de 5,5 quilos por habitante/ano.
Os uruguaios estimam seu consumo em sete quilos/ano; os gaúchos, nove quilos. Como são estimativas, difícil fazer comparações. Os três lugares tomam, mesmo, mate como água. Certas pessoas ingerem, seguro, até sete litros por dia.
Na Argentina é comum a brincadeira: quer saber quanto mate tomamos por ano? Encha 100 garrafas de água de um litro e ponha lado a lado.
O mate causou sofrimento ao Uruguai na última Copa América. Proibidos de entrar nos estádios do Chile em junho com a termo e a calabaza por ''segurança'', torcedores do país protestaram: ''O mate não mata!''.
O mate é simples e barato – numa Argentina sempre complicada de grana, daí a popularidade. Erva, água a 75 graus, copo de madeira, canudo de aço e ya está.
Oferece vitaminas B1 e B2, ferro, sódio, potássio, magnésio e dez tipos de aminoácidos. E ajuda a melhorar os níveis do colesterol bom, o HDL.
As contrapartidas são – com certa controvérsia no mundo médico – inflamação de baço e fígado no consumo excessivo.
A imensa maioria (90%) da erva produzida na Argentina é da província de Misiones. As importações vêm de Brasil e Paraguai.
Seu uso no futebol rende histórias curiosas, como um certo favorecimento aos que sabem prepará-lo bem. Na Argentina, armar bem a cuia é cebar un buen mate.
Na atual seleção, a incumbência é de Lavezzi. No River que caiu à Série B, dizia-se que a escalação do defensor Arano era pelos seus mates serem os melhores.
Jogadores de futebol confeccionam suas termos com desenhos de gols ou camisas de clubes. Como o uruguaio Sanchez, ex-River, hoje no México.
Em 2013, o governo nacional declarou o mate como a ''infusão argentina'' para favorecer o consumo no exterior. A ''bebida argentina'' é o vinho.
E a presença do mate no futebol argentino vai além do consumo.
Produtoras de ervas anunciaram camisas de times – como o Racing e o Newell´s Old Boys – e placas de gramados.
A relação entre mate e futebol é tão próxima que o grande sucesso recente da música argentina, a cumbia Marchate ahora, tem no clipe o ex-atacante do River, Villalva, segurando a bebida no vestiário. No ponto exato:
São comuns também as publicidades ligando a erva ao futebol, como a da CBSé.
A Taraguí seguiu o exemplo.
Há um documentário – Me gusta el mate sin trabajo infantil – que combate a exploração de crianças nas colheitas do país. Forte. Está aqui.