Patadas y Gambetas

Novo Monumental ‘esquece’ sua volta olímpica mais importante

Tales Torraga

O argentino ama de verdade o futebol brasileiro. Um driblador que apareça no país é logo chamado de Garrincha. Alguém que chuta forte, Roberto Carlos.

A admiração é a deixa esperada pelos – muitos – gozadores: ''Que lindo, o Brasil. Mas aqui em Buenos Aires a Argentina deu a volta olímpica, eh''.

A volta olímpica ocorreu em 1978. Então vivendo ditadura militar, a Argentina até hoje olha para si com a desconfiança de que o governo ''comprou'' aquela Copa.

Imagem tétrica. Policial de luvas carrega a Copa do Mundo. Passarella só a apoia

Aquele Mundial está ainda mais vivo depois de 2014 e dos 7×1 para a Alemanha. É a maneira de diminuir a diferença de currículo. O Brasil ganhou cinco Copas, nenhuma em casa. Ganhamos a nossa. É esta a argumentação argentina.

La vuelta tão lembrada pela torcida é ''esquecida'' por quem mais deveria lucrar com ela – o Club Atlético River Plate, dono do Monumental.

A atual diretoria criou cartazes em setores nobres com os principais momentos culturais e esportivos vividos no clube.

E sem fazer referência à volta de 1978. Só uma pequena imagem de Kempes. Aqui, a hora exata em que a Argentina ganhava aquela Copa, na voz de Luciano do Valle.

A razão do ''esquecimento'': Daniel Passarella, o capitão argentino em 1978.

Passarella é considerado na Argentina – de longe – o maior zagueiro e o pior presidente de clube da história. Conseguiu mandar o gigante River à Série B.

O homem que capitaneou a maior glória vivida em um templo do futebol foi também responsável pela sua maior tristeza.

Revoltada, a torcida do River quebrou e queimou o Monumental em 26 de junho de 2011. De tão emblemática, a data na Argentina ganhou até abreviatura: 26J.

Localizado no bairro de Belgrano – não Núñez, logo adiante -, integra a santíssima trindade dos estádios nas Américas. Maracanã, Centenário e Monumental.

Inaugurada em 26 de maio de 1938 pelo então presidente do clube, Antonio Vespucio Liberti, seu nome oficial, la cancha de River é também vocabulário. Dimensão de grandeza na Argentina é um ''más grande que El Monumental''.

O estádio batiza os setores com jogadores do passado – como Sívori – e emblemas argentinos como San Martín e Belgrano. Há também a área chamada de Centenário porque ali passava a Avenida Centenario, hoje Figueroa Alcorta.

Monumental em chamas na noite de Buenos Aires. Postal do futebol mundial

Com capacidade para 61.688 pessoas (na última Libertadores erguida pelo River, mais de 70.000, seguro), o estádio está bem mais moderno.

Nova fachada de boas vindas ao Monumental

As estruturas operantes desde 1978 foram trocadas e há planos de receber 80.000 pessoas a partir de 2020.

Atualizadas bilheterias do setor conhecido como Centenario

O estádio na verdade é apenas o item mais famoso de um clube impressionante. O River compete em 19 modalidades. De suas quadras saíram tenistas como Gabriela Sabatini; de suas piscinas, nadadores como José Meolans.

Era comum, anos atrás, sócios deixarem o Monumental depois de um jogo de futebol e adentrar a madrugada em torneios de xadrez no próprio River.

O papo sobre a estrutura river platense tem sempre uma afirmação e uma pergunta.

A afirmação: ''Mirá que distintos somos''. ''Veja como somos diferentes''.

A pergunta: ''Vai querer comparar com o Boca?''.

O Monumental em ruínas em 2013, capa da revista

Gerações de argentinos percorrem o clube de segunda a segunda. Em região nobre e abastecido por metrô e ônibus, tem museu, confeitaria e escolas – das infantis até a universidade, o IURP, Instituto Universitário River Plate.

É aproveitado até pelos adversários. O filho de Diego Cocca, técnico recente do Racing, estudou e jogou no River mesmo quando o pai comandava o rival.

Ortega nesta semana: craques veteranos também batem sua bolinha nos campos auxiliares do Monumental

Rindo sem parar com os títulos dos últimos dois anos, a torcida do River pede uma nova Libertadores. Seria a quarta. Todas as três foram erguidas no Monumental.

O sonho começa hoje às 21h45 na Venezuela contra o Trujillanos. Fará, em 10 de março, sua primeira partida no Monumental, o ''clássico da América'' – River x São Paulo, o jogo mais aguardado da fase de grupos.

El más grande sigue siendo River Plate, diz a música que a torcida tem como hino.

A ver se os outros 31 clubes da Libertadores concordam.