Patadas y Gambetas

Relatos selvagens: narradores rezam, choram, insultam e transam nos jogos

Tales Torraga

Referência intelectual, a Argentina deixa de lado a erudição para narrar futebol.

Os jogos transmitidos pela TV e principalmente pela rádio seguem um dogma. Futebol é paixão. Paixão é sentimento.

Clubes têm narradores próprios nas rádios. E eles há décadas reciclam um repertório que vai da religião ao sexo.

Pancho Caldiero e Atilio Costa Febre, locutores de rádio. Crédito: Arquivo La Nación

A principal voz partidária da Argentina é a de Atilio Costa Febre, narrador do River Plate há 26 anos. Em jogos fora do Monumental, já apanhou e foi apedrejado enquanto estava no ar. ''Eu me banco! Eu me banco!'', grita ao ser atacado.

Em jogo difícil da Série B, narrou um gol rezando a Ave Maria. ''Hoje é meu aniversário! Me dê paz! Me dê paz, Maria.''

Narradores com frequência trocam berros por berreiros. Como Pablo Giralt, da DirecTV, na última Copa do Mundo. O gol de pênalti que classificou a seleção para a final acompanhou um copioso choro difícil de entender fora da Argentina.

País de extenso léxico sexual, a Argentina realmente ''não se importa nada'', como no famoso cântico. Em um River 2×2 Boca no Monumental, Walter Saavedra narrou assim o empate xeneize – na última jogada e depois de estar perdendo por 2×0:

''Na última carícia resignada, a tarde nos regala semelhante orgasmo. Trepada! Trepada! Ontem completei 56 anos. E agora mesmo estou tendo uma ereção. Você é meu melhor Viagra, Boca! Você é meu melhor Viagra''.

O relato mais selvagem que se conhece é o de Hernan Santarsiero, do River e da rádio Cadena. Na cabine da Bombonera, chorando, disse que o River iria ganhar ''nesta cancha de m….'' (9min55). E encerrou o Boca 1×2 River de forma impensada:

''Eu estava na Série B e subi. E eu te rompi o c. Em um ano terminado em quatro, te coloquei de quatro, bostero (apelido maldoso da torcida do Boca)''.

Óbvio: Hernan quase apanhou. Só deixou a Bombonera naquela noite de domingo graças à piedade da equipe de comunicação do Boca.

Mas está proibido de voltar ao estádio para o resto da vida.