Patadas y Gambetas

Bielsa quase foi morto por engano

Tales Torraga

Houve um tempo em que parecia ser necessária uma dose de loucura para treinar a seleção argentina. A lista de nomes – hoje – assusta. Mas o país se acostumou com as mais diversas esquisitices entre 1983 e 2004, quando a azul e branca foi comandada por Carlos Bilardo, Alfio Coco Basile, Daniel Passarella e Loco Bielsa.

Bilardo nega até hoje, mas entrou para a história pela ''água batizada'' dada a Branco na Copa de 1990. Basile bebia e fumava com os jogadores abertamente, e Passarella chegou para pôr ordem no pedaço com seu famoso autoritarismo: proibiu homossexuais, brincos, tiaras e cabelos compridos na seleção.

E para consertar as bizarrices do Kaiser, a Argentina escalou ninguém menos que Marcelo ''El Loco'' Bielsa, que já rendeu muitos livros sobre seus inúmeros causos.

Bielsa (sempre de cócoras) na Copa de 2002 – Taringa/Reprodução

Uma dessas situações inusitadas foi contada ao blog por Pablo Cavallero, goleiro da Argentina na Copa de 2002. Cavallero está com 43 anos e trabalha como diretor de futebol no Vélez. Ele conviveu com Bielsa como poucos. Seu relato é imperdível:

''Bielsa era um técnico muito intenso. Ele tinha argumento para tudo, sabia de tudo, era uma enciclopédia ambulante. Mas cansava demais.

A preparação para a Copa de 2002 foi assim: cansativa. Bielsa pensava em futebol 24 horas por dia. A gente dormia e ele não conseguia dormir, e uma forma de Marcelo relaxar passou a ser caminhar e correr ao redor da concentração. Estávamos em Ezeiza [perto do aeroporto internacional de Buenos Aires], em uma área com muita natureza, com muitas árvores. 

Estava escuro, e o prédio de Ezeiza, claro, tinha muita segurança, muitos carros de polícia, aquilo que é perfeitamente possível imaginar em uma situação assim. Era um dos primeiros dias em que Marcelo havia começado a correr e andar. Ele fazia isso sempre com fones de ouvido, sempre escutando palestras ou preleções de futebol. Mas a polícia, claro, estranhou ver alguém no meio das árvores de madrugada. Falavam com ele, e ele não escutava porque estava com os fones. Quando os policiais chegaram para atirar, jogando a luz na cara dele, Marcelo correu para trás de uma árvore, gritando 'por favor, sou o Bielsa, não disparem'.

No dia seguinte, demos risada. Mas vendo hoje, por pouco não perdemos o técnico às vésperas de uma Copa do Mundo por uma tragédia impensada. Que loucura.''

A Argentina terminou a Eliminatória de 2001 com a então melhor campanha da história – 12 pontos de vantagem para o segundo colocado (o Equador) e 13 a mais que o Brasil. Mas Batistuta, Simeone, Ortega, Crespo, Gallardo e companhia foram eliminados ainda na primeira fase da Copa do Mundo do ano seguinte, ganhando da Nigéria, empatando com a Suécia e perdendo para a Inglaterra.