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UOL Esporte

Bobby Fischer: Islândia e Buenos Aires

Tales Torraga

Nada de futebol, nada de França, nada de Eurocopa.

A fama prévia da Islândia no esporte veio do xadrez.

Tudo porque a Islândia foi o lar escolhido pelo genial americano Bobby Fischer.

Mas para contar esta história precisamos pousar em um país vizinho: a Argentina, outra pátria que adotou Fischer.

Para os novos ou não tão chegados em xadrez: Robert James Fischer foi mais que um jogador, e sim um símbolo do embate americano-soviético na Guerra Fria.

Aos 6 anos, ganhou o primeiro tabuleiro. Aos 14, já era campeão absoluto dos EUA.

Nesta época – 1959, com 16 -, desembarcou em Buenos Aires pela primeira vez.

Amou a cidade. Seu temperamento instável e seus delírios encontraram ressonância portenha. Fischer era mais portenho que os próprios portenhos. Obsessivo e brilhante. E uma pessoa com hábitos tão peculiares como aparecer, sem avisar, na redação do jornal ''La Crónica'' simplesmente porque o lia. Saiu sem se despedir.

Fischer, o xadrez, a praça e os chicos de River e Boca: Buenos Aires 1971

¡Que personaje!

Fischer esteve em outras cidades argentinas como Mar del Plata e Córdoba, mas respirou Buenos Aires outras três vezes, prova de seu amor pela capital.

Esta frequência de visitas de Fischer a único lugar foi bastante incomum. Dizia abertamente não gostar de adultos – apenas do xadrez, dos animais e das crianças.

No campo argentino com um raro sorriso

Bobby teve tudo isso em terras portenhas em 1969, 1971 e 1996 – a última, para jogar um match de seu xadrez aleatório no qual as peças saem de posições diferentes das comuns. O dinheiro não apareceu. E Fischer disse adeus.

Sozinho e abstraído em Buenos Aires

Sua mais famosa passagem por Buenos Aires foi a de 1971, quando se classificou para enfrentar o então campeão do mundo, o soviético Boris Spassky.

O Torneio de Candidatos, seletiva que designava o desafiante ao trono, ocorreu no Teatro San Martín, a quatro quadras do Obelisco, na avenida Corrientes que parava para ver Fischer destruir o também soviético Tigran Petrosian.

Bobby retribuía o carinho à sua maneira: devorando pizzas, batatas fritas e bifes (sempre com a mão) e percorrendo as muitas livrarias atrás de obras de xadrez.

Ia, encontrava o que gostava e saía sem pagar ou dizer nada. Tinha horror à imprensa. Uma das mais comentadas matérias de sua passagem está na revista 'Gente', aqui. Tenta entender as razões que levavam, por exemplo, Fischer a carregar, dos EUA à Argentina, sua própria televisão para ver lutas de boxe. 

Em 1972, Fischer desembarcou na capital da Islândia, Reykjavik, para o 'Match do Século' contra Spassky, evento dos mais transcendentes da história do esporte.

Venceu o duelo de 21 partidas entre julho e agosto daquele ano e tornou-se o herói americano no simulacro do embate entre os EUA e a União Soviética.

Enfim campeão mundial, Fischer caminhou para um perigoso ostracismo que o jogou na loucura e o fez sofrer. Recusou-se a defender a coroa, passada por abandono a Anatoly Karpov. Viveu sentindo-se perseguido. Só saía para caminhar disfarçado e de madrugada. Numa, foi confundido com assaltante, preso e torturado.

Reapareceu em 1992 para novo match contra Spassky, desta vez na Iugoslávia. Violou sanções dos EUA e voltou a sumir. Foi reencontrado no Japão em 2004 e preso por usar passaporte inválido.

No ano seguinte, abriu mão da cidadania americana. Decidiu viver na Islândia.

Sua vida dedicada única e exclusivamente ao xadrez terminou em janeiro de 2008, aos 64 – o exato número de casas do tabuleiro.

Fischer hoje está enterrado em Selfoss, a 60 quilômetros da Reykjavik que ofereceu a paz, a reclusão e o silêncio que tanto buscou.

O silêncio neste domingo será interrompido pelo futebol. Por uma boa razão.

Fischer certamente pensaria assim. Milhares diante de TV.

E ninguém para atrapalhar sua eterna busca pela perfeição no tabuleiro.

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