Por que o aniversário de Maradona é um Natal para os argentinos?
Tales Torraga
Nesta segunda-feira (30), Diego Armando Maradona completa 57 anos de uma vida vivida a 5.700 km/h. E mesmo 20 anos depois de parar de jogar, é plenamente possível imaginar que esta ''loucura maradoniana'' vai ser eterna em Buenos Aires.
Um rápido passeio na madrugada desta segunda pelo Barrio Norte, na zona de Palermo, uma das mais chiques da capital portenha, mostrou que a Igreja Maradoniana, culto ao maior jogador da história argentina, segue ativa como nunca.
De 300 a 500 pessoas adentraram a semana de trabalho em um complexo de campos de futebol society para celebrar a data que tratam, com fervor, como uma mescla de Natal e Ano Novo – neste caso, o 57 DD (depois de Diego).
Tudo foi armado como um culto religioso: vigília, ''missa maradoniana'', batismos e entregas de carnês para os colaboradores que quiserem financiar as atividades anuais da igreja. A entrada para a festa em Palermo custava 100 pesos (cerca de R$ 14) e dava direito ao sorteio de uma camisa autografada por Diego, assinada em Dubai, onde ele hoje trabalha como técnico do Al Fujairah, do futebol local.
Apesar dos rituais, a igreja, claro, é uma paródia francamente reconhecida pelos seguidores. ''Tenho uma religião racional, a Católica, e uma religião do coração, que é Diego Armando Maradona'', diz Alejandro Verón, um dos fundadores da igreja.
A concentração desta segunda (30), por exemplo, era o equivalente a um churrasco de final de ano de empresa em um campo de futebol. Muita carne, muita bebida e muita gente cantando uma devoção a Maradona que não parece passar com o tempo. Pelo contrário. Parece crescer e acompanhar as novas gerações.
É difícil entender a adoração argentina por Diego, mas tentamos explicar.
Foi ele quem proporcionou a maior alegria esportiva ao país depois das carnificinas que foram a ditadura e a infame Guerra das Malvinas. Na passional cabeça argentina, é como se ele, Diego Armando Maradona, sozinho, tivesse vingado e homenageado os combatentes mortos no conflito com sua atuação épica ante os ingleses no México 1986. Ali, Maradona foi Argentina em estado puro. Trapaceando com o seu gol de mão e fazendo, minutos depois, o ''gol do século'', enfileirando ingleses caídos no gramado do Azteca (e olhe de novo a analogia às Malvinas…).
A Igreja Maradoniana, claro, é atacada com força dentro de uma Argentina que não à toa é o país onde nasceu o vigente papa Francisco. Os católicos respondem por cerca de 75% da população de todo o território nacional, e muitos portenhos, principalmente, veem um rotundo desrespeito no culto à imagem de Maradona – uma pessoa com tantas transgressões e tanto problemas com drogas não deveria ser exemplo de nada, muito menos um deus supremo ou uma divindade, repetem.
''Nossa função é dar lugar às emoções geradas por Maradona e dar lugar também à paixão pelo futebol. Só queremos mostrar o que sentem os argentinos por um esportista que tanto nos representou, deixando bem claro que respeitamos as crenças dos demais'', fala Mariano Israelit, organizador do Natal Maradoniano.
A loucura desatada por Maradona faz a sua igreja ter filiais na Alemanha e, acreditem, até na Inglaterra. Segundo os organizadores, o culto conta hoje com cerca de 500.000 pessoas ao redor do planeta. Há o ''Diego Nuestro'', oração que é versão maradoniana do ''Pai Nosso'', essa aqui:
''Diego nosso que estás na Terra / Santificada seja a nossa canhota / Venha a nós a sua magia / Seja feita memória aos seus gols / Assim na Terra como no Céu / A alegria nossa de cada dia / Dai-nos hoje, Diego / Perdoai aqueles jornalistas / Assim como nós perdoamos a máfia napolitana / Não nos deixeis, Diego, manchar esta pelota / E livrai-nos de Havelange / Amém''.
Para fechar, que tal os ''Dez Mandamentos maradonianos''?