Contra crise e contra sua própria torcida, Argentina revê a algoz Colômbia
Tales Torraga
Em busca de paz e gols, a Argentina recebe a Colômbia às 21h30 de hoje (15) no Estádio Bicentenário, em San Juan, a 1.200 quilômetros de Buenos Aires.
Deveria ser uma mera troca de carinho entre um humilde povo da Argentina e os milionários astros do seu futebol, mas já é um encontro explosivo no qual a Seleção bem sabe que seu próprio torcedor pode virar um cruel e enfurecido inimigo.
O Estádio Bicentenário é acanhado – 25.000 lugares. Uma arma de doble filo.
Se jogar com raça y meter huevos, incentivo.
Se mostrar desídia, a Seleção de Bauza vai mergulhar nas trevas, así de una.
Há três sinais vermelhos nesta difícil relação entre a Argentina e sua torcida.
(Há relações na Argentina que não sejam difíceis?)
O primeiro desses sinais veio no último sábado, em La Plata, no amistoso do River Plate contra o Olimpia, com uma faixa clarita que não precisa de traduções.
A música do baile do Mineirão continua tocando alto por aqui, muchachos.
O segundo veio na chegada da Seleção a San Juan no começo desta semana.
Sempre muito concorrido, o desembarque não contou com a adesão popular – apenas um grande reforço na segurança que, afinal, não teve razão para proteger os astros já golpeados pela surra levada do Brasil em Belo Horizonte.
O terceiro sinal veio de Lionel Messi, quando ele questionou o incentivo da torcida e, sem mais palavras, disse que esperava um acolhimento mais caloroso desta vez.
A situação é muito clara na Argentina: a paixão boleira é toda destinada aos clubes, que contam sim com torcidas que estão entre as mais apaixonadas do mundo.
A Seleção é, claro, seguida com fervor durante a Copa do Mundo.
Nos outros eventos, bem menos. A seleção é praticamente uma catarse apenas para protestar contra tudo o que há de (muito) errado na Argentina.
São famosas em Buenos Aires as brigas de jogadores e técnicos – com Diego Maradona, óbvio, encabeçando a lista – com torcedores no Monumental de Núñez.
A novidade recente é a irritação também das demais províncias nas más fases recentes, e muito tem a ver com o bolso e com um incompreensível – e passível de críticas – distanciamento total da seleção argentina com a torcida provinciana que desembolsa altas quantias para ver um time que considera preguiçoso em campo e com jogadores que fazem questão de não se aproximar dos torcedores.
A tabela de preços convertida em reais: a Popular hoje em San Juan sai por R$ 77; a Plateia mais barata, R$ 220. A mais cara, R$ 616. E o estádio ainda estará lotado.
Como esteve o Monumental no jogo mais sintomático da fúria dos torcedores.
Em 1993, em situação diferente da atual porque a Seleção vinha invicta e bicampeã da Copa América, a Argentina de Goycochea, Batistuta e Coco Basile jogou pelas Eliminatórias justamente contra a Colômbia que recebe nesta noite.
E o que aconteceu está na história dos dois países e do futebol mundial.
A Colômbia de Rincón, Valderrama e Asprilla humilhou a orgulhosa Argentina por 5×0 em Buenos Aires naquela que é até hoje a pior derrota argentina em casa.
Casa que desmoronava aos gritos de ''olé'' a cada toque colombiano na bola.
Atônita e com energia apenas para brigar, a torcida argentina contou com um personagem de peso nas tribunas do Monumental: Diego Armando Maradona, então em atividade, que obviamente ouviu as súplicas para o seu retorno à equipe.
Deu certo.
Maradona entrou em forma e jogou a repescagem contra a Austrália, e a Argentina se classificou para a Copa de 1994 da qual Diego seria expulso por doping.
Maradona mora em Dubai – ninguém como ele estará nas tribunas de San Juan.
Mas todos os argentinos esperam que em campo alguém renda como ele rendia.
E este alguém é Lionel Messi, o primeiro a certamente precisar lidar com a ira de toda uma nação caso a partida siga para outro rumo que não seja o da vitória.