Patadas y Gambetas

Javier Castrilli: “O dinheiro não compra o respeito que têm por mim”

Tales Torraga

A pinta de xerife e o gel no cabelo ficaram no passado.

Hoje com 59 anos, o ex-árbitro argentino Javier Castrilli é um grisalho sereno, sorridente e ''fanático pelos netos'', como descrevia sua antiga conta no Twitter.

Castrilli é também muy importante. É hoje Diretor de Esportes da Província de Buenos Aires, o intermediário entre o governo e as federações. Ocupou cargo parecido entre 2003 e 2008 – era responsável pela segurança nos estádios.

A escalada da violência nas canchas não queimou seu filme com Mauricio Macri. O atual presidente da Argentina é um declarado fã do ex-árbitro. Percorreram Buenos Aires juntos e sorridentes na campanha à Presidência do ano passado.


A fama com Macri não é a mesma que Castrilli tem no Brasil. Tudo pela sua atuação no Corinthians x Portuguesa que definiu a semifinal do Paulista de 1998.

Em jogo de quatro expulsões, dez cartões amarelos e um segundo tempo que só terminou aos 57 minutos, o Corinthians contou com dois pênaltis marcados por ele – o último aos 44 minutos do segundo tempo – para fazer 2×2 e avançar à decisão.

(Decisão que perderia feio para o São Paulo de Raí, França e Denílson.)

O blog ouviu Castrilli em Buenos Aires. E constatou o que os portenhos repetem sobre o experiente político e requisitado palestrante que é. Castrilli não fala.

Diz. E tão somente o que quer. Toma o ''leite do gato'' (gíria para pessoa esperta).

''O juiz pode acertar ou errar, mas precisa dar as caras em certos momentos'', contou, sobre aquela tarde de domingo no Morumbi. ''Como você pode falar de erro se o juiz não tem à disposição os mesmos recursos do público e dos jornalistas que interpretam este erro? O árbitro passa por provas exaustivas de verificações. Vídeos, computadores, toda a tecnologia. Era assim há 20 anos e é muito mais assim hoje.''

''Entendo as críticas. Sempre digo que cada torcedor lembra de um jogo em especial. Não lembram quando o time deles foi campeão comigo. O árbitro não gera afeto. Pelo contrário, ele machuca os afetos, e isso é inesquecível para quem sofre.''

''O que o público precisa considerar é o alto nível de falha da função. As decisões do árbitro têm uma natural limitação humana. O futebol está muito atrasado. O juiz tem em mãos as mesmas ferramentas de um século atrás. Ele carrega só um apito e uma bandeira. É um enorme erro colocar na mão do juiz, só, o trabalho de anos de um grande grupo de pessoas. E põe mais, põe a paixão de milhões de torcedores.''

A aversão do futebol à tecnologia é definida assim por Castrilli: ''Querem parar um trem com as mãos. O juiz está sozinho e crucificado. É absurdo que não entreguem à arbitragem os mesmos recursos que a imprensa usa. Não há volta atrás. O árbitro logo vai ser um sancionador de decisões remotas e analisadas com a tecnologia''.

O Brasil talvez se surpreenda, mas Javier é querido na Argentina. ''Bom era no tempo do Castrilli'', repetem. Durão, não favorecia medalhões ou camisas pesadas.


São muito famosas suas duras brigas com Passarella e Maradona – os dois capitães campeões do mundo pela Argentina. Em um River 0x5 Newell´s em 1992, expulsou quatro jogadores do River e o técnico Passarella. Em um Vélez x Boca de 1996, mandou Maradona para o chuveiro e quase desencadeou uma tragédia.

Em Vélez x Banfield, deu pênalti no último segundo para o Banfield em agarrão na área – igual ao primeiro penal pró-Corinthians contra a Portuguesa em 1998.

Chilavert defendeu. O sempre conflituoso Chila é amigo de Castrilli, quem diria?

Dois meses depois de passar pelo Morumbi, Castrilli foi árbitro na Copa do Mundo de 1998 – sua única. Para ele, sua maior alegria com a bola não vem do Mundial.

''Sinto que as pessoas me respeitam, percebo isso a cada vez que ando nas ruas aqui de Buenos Aires ou do interior. E não há dinheiro que compre este respeito. As pessoas veem que eu era coerente no que fazia. Eu fazia o que pensava.''

Pensava, fazia e agora pede: antigos erros? Ya está. No me nombres, por favor.

(…) Puedes olvidarme para toda la vida
Olvidar que también hubo alegrías
Pero si prefieres quedarte con años que olvidaste
Entonces voy a pedirte que no me nombres (…)

* Com Marcelo Manzanel, de Buenos Aires. Gracias y mates, Manzi!