Ciúme, pânico e depressão. Del Potro vence as trevas e ilumina a Olimpíada
Tales Torraga
Juan Martín del Potro era pibe de 19 anos quando, de um dia para o outro, surgiu como astro e primeira raquete de uma Argentina que ama o tênis como só ela sabe.
Com a parte de dentro das vísceras.
Del Potro desde cedo foi um cavalo jogando tênis.
Desmontou a jerarquia de David Nalbandian – que o culpou publicamente pela derrota na final da Copa Davis de 2008 em Mar del Plata, dos eventos esportivos mais bizarros da história de uma Argentina onde bizarrices brotam a cada game.
(Quem quer conhecer melhor essa derrota – e os porões humanos, esportivos e argentinos – tem aula de sensibilidade nos livros 'Enredados' e 'Maldita Davis'.)
Del Potro, óbvio, não estava preparado para o que viria.
Talvez seja mesmo impossível se preparar nos limites da razão para, com 20 anos, varrer Rafael Nadal (semifinal) e Roger Federer (final) em sequência e ser campeão do US Open de 2009. Que pendejo insoportable, che!
Delpo, a Torre de Tandil, só ganhou este Slam, mas dava a certeza de assumir o número 1 do mundo em questão de dias. E em embate direto com dois dos maiores da história. Era o número quatro. Jogava melhor (às vezes muito melhor) que o um.Mas desmoronou de fato como uma torre. Tudo por conta de uma munheca. Impossível amassar a bola como ele amassava sem amassar também o corpo.
Vieram sucessivas cirurgias e longas pausas na carreira.
E com dois selos argentinos indesejáveis e neurastênicos.
O primeiro foi o escrutínio incessante da sua vida pessoal.
Seus relacionamentos ganharam detalhes cada vez mais sórdidos na mídia.
Foram publicadas também pesadas histórias que citavam suas depressões decorrentes da lesão e a síndrome do pânico que justificava tamanho afastamento.
Tudo isso foi fast food em discussões intermináveis nos bares e nos cafés.
Em vez de o acolher, a sociedade portenha em geral passou a infernizá-lo como um apátrida sem coração. 'Pecho frio!' ou, ainda pior, 'Es para Delpo que lo mira por TV'.(Buenos Aires, com sua bipolar cultura de saber tudo sobre tudo, é o paraíso de quem deixa a vida para debater tênis – ou turfe, ou xadrez, ou a boludez que for – com uma erudição e um fervor que jamais notei em nenhum outro lugar do mundo.)
A Copa Davis perdida foi também uma deficiência na sua relação com a torcida. Tudo porque para o argentino é impossível amar dois. Ou é Messi ou é Maradona.
Ou Nalbandian ou Del Potro. Ou Vilas ou Clerc.
Ou é Soda Stereo ou é Indio Solari.
Terrible.
Por isso, no domingo carioca, com a bandeira argenta sobre o coração, e com uma torcida enlouquecida que fez de Jacarepaguá um pedaço da calle Olleros e do mítico Buenos Aires Lawn Tennis Club, Delpo viveu a maior noite de sua vida.
Uma vida que, reconhece, passou a administrar no conta-gotas.
''Não sei do amanhã'', repete a cada vez que abre a boca.
Se soubesse, se recusaria a acreditar que aniquilaria Novak Djokovic, vencedor de seis dos últimos oito Grand Slams, com uma mão só (!), porque seus já épicos palazos de forehand escondem também a total inoperância do backhand.
Se soubesse, não levaria a sério que teria a chance de enterrar seus fantasmas, os que atormentam também Messi, os fantasmas que impedem de tomar os corações do público mais exigente e passional do mundo, brilhante e cruel, que não mede esforços para berrar 'Vamos Argentina carajo viejo nomás' e morder com igual fúria.
Se não importa o amanhã, Vive y dejá vivir y no te vas a arrepentir, Delpo.
Nosotros te queremos. Sos un fenómeno.